quarta-feira, 19 de maio de 2021

A RÃ E O BOI

Caros leitores,

Eis a fábula:

Uma rã vê um boi que lhe parece muito belo por causa do seu porte avantajado.

Ao se ver tão pequena, pois o seu tamanho correspondia ao de um ovo, a rã, invejosa, começa a alargar-se, a inchar-se e a esforçar-se para igualar-se em grandeza física ao boi.

E, dirigindo-se a outra rã, perguntou-lhe:

- Olhe bem, minha irmã! Já aumentei o bastante?

-  Absolutamente não - respondeu a companheira.

- E agora? - insiste a invejosa. - Já estou parecida com ele?

- De maneira alguma - confirmou a outra.

A rã estufou mais um pouco e perguntou novamente:

- E agora, então? Como estou?

- Você nem sequer chega perto dele.

A rã idiota inchou-se tanto que estourou.

O mundo está cheio de pessoas insatisfeitas.

Todo burguês quer construir um palácio.

Qualquer principezinho tem embaixadores.

Todo marquês quer ter pajens como o rei os tem.

Ao dar uma primeira olhada nesta história constatamos que se trata da inveja.  A rã gostaria de ser tão grande quanto o boi.  Ela tem noção de uma parte da realidade porque percebe que é menor do que o boi, mas o considera mais belo porque ele é maior.  Ela acha que maior é melhor.  Quando invejamos o outro declaramos aos outros e a nós mesmos sermos inferiores a ele.  A inveja, entre outras coisas indica mediocridade [medíocre (dicionário Aurélio): sem relevo, comum, ordinário], pois ela não suporta os atributos, condições e qualidades alheias.

Hammed nos lembra de que existem muitas expressões metafóricas usadas quando nos referimos à inveja: doer-se de inveja, a inveja dói, contaminado pela febre da inveja, cego de inveja, a inveja queima ou envenena. No âmbito social existem muitas rãs que se "arrebentam" de inveja.

A inveja é um sentimento que nos impede de crescer, pois estamos sempre nos comparando com os outros e não percebemos o que temos de realizar por nós mesmos.  Entretanto, ela não está associada sempre a um objeto.  O invejoso pode sentir-se mal por causa da diferença de status de outra pessoa.  Ele acha que o culpado pelo seu estado de espírito negativo é o sucesso do outro.  Ele não analisa o porquê do seu próprio fracasso, para poder obter sucesso numa próxima empreitada.  Sua atenção está totalmente voltada para o outro e na sua tristeza em não poder ser como ele.

Para podermos amadurecer é necessário apreciarmos o que somos, conhecermo-nos com nossos defeitos e nossas potencialidades.  Na inveja, há supervalorização do outro e a subestimação de tudo o que temos, conquistamos, e de tudo o que somos.  Mas é preciso ser o que se é. Não é nos colocarmos a nós ou aos outros num pedestal, nem nos rebaixarmos ou rebaixarmos os outros na condição de capachos.

Perceber a inveja no outro é fácil, mas percebê-la em si próprio é difícil.  Esta é a função do autoconhecimento.  Prestemos atenção à sensação da inveja em nós, porque ela nos indica um desejo reprimido, uma disposição inconsciente, pois o invejoso não conhece o seu potencial e dá prioridade ao crescimento alheio em detrimento do seu próprio crescimento.  Ele censura e aponta as supostas falhas dos outros, distraindo a sua própria mente do necessário desenvolvimento de suas potencialidades interiores. Ao invés de se esforçar para crescer e progredir, ele denigre os outros para compensar sua indolência e ociosidade.

Como Hammed pontua "invejar não é somente querer ter o que o outro possui, é também tentar impedir que ele tenha aquilo que conquistou." Então, em verdade, além do invejoso não crescer com essa atitude, ele também tenta impedir o crescimento do outro.

Na história, o boi não toma conhecimento da existência da rã, que está a admirá-lo, e muito menos nota quanto ela "arrebenta".  Mas isso acontece com os animais irracionais.  Agora, voltemos para nós, os homens, dotados de razão.  A pessoa que é objeto de inveja também tem uma percepção.  Se esta percepção é inconsciente ela sente-se mal na presença desta pessoa, e mesmo que a pessoa não esteja com ela, à distância, se o invejoso fala dela ou pensa nela com sentimento de inveja, ela também sente mal estar.  Se esta percepção for consciente, a pessoa, alvo da inveja, pode construir um escudo de luz à sua volta para sua proteção, se não for possível afastar-se do invejoso.

Na psicologia, o sentimento de inferioridade que existe dentro do invejoso é o resultado do conflito entre o "eu ideal" e o "eu real", entre o que o indivíduo gostaria de ser e o que ele realmente é; entre o que o indivíduo faz ou sente e o que ele gostaria de fazer ou sentir.

Na inveja há a tentativa de privar o outro daquilo que lhe dá prazer; é querer destruir no outro aquilo que ele tem de bom, porque não se tem igual.

Felizmente, pode-se transformar a inveja em admiração - e essa mudança é benéfica para ambas as criaturas.  Ao invés de querer ter ou ser o que o outro tem ou é, tenta-se encará-lo como um objetivo ou padrão a ser seguido.  Então, neste caso, a atenção voltada ao outro serve como modelo a ser seguido para caminhar mais acertadamente em direção à maturidade; na realidade, a admiração é sinal de amadurecimento.

Entretanto, este olhar atento para o outro deverá vir juntamente com uma análise criteriosa do que o outro é ou do que ele tem.  Senão acabamos "copiando" sentimentos, emoções, ações não condizentes com a nossa realidade ou até negativas.  Para exemplificar, imaginemos um palestrante com grande capacidade de oratória, mas que em muitas circunstâncias demonstra muita vaidade, e uma pessoa na plateia que o acha sensacional e que gostaria de ser como ele.  Será que ela não estaria querendo "copiar" a vaidade? Será que ela já não é vaidosa e por isso o "admira" e quer copiá-lo? Será que ela tem potencial e capacidade para também realizar uma palestra? Se não tem, o que é melhor: aceitar o que se é ou tentar "copiar" uma "fraude"? Chamaríamos este "olhar" de admiração ou de inveja?

Para compreender melhor a arte de admirar, todas essas reflexões devem ser realizadas.

Popularmente falando, o complexo de superioridade e o de inferioridade é a mesma coisa.  Pois, quando o indivíduo reconhece que é mais fraco que outro ou sente-se inadequado numa determinada situação ou com determinada(s) pessoa(s), na tentativa de eliminar esses sentimentos desagradáveis ele mostra superioridade.  As pessoas que se sentem inferiores quase sempre partem para uma busca inglória, ou seja, comparam-se com outros indivíduos que não tem nada a ver com elas e travam uma competição interminável para serem como eles.  Assim como diz o texto "O mundo está cheio de pessoas insatisfeitas.  Todo burguês quer construir um palácio.  Qualquer principezinho tem embaixadores.  Todo marquês quer ter pajens como o rei os tem."

Na vida atual isto ainda é mais difícil.  Há uma comparação interminável e diria, até diária.  A grande maioria acha que deve estar em evidência em todos os lugares a todo o momento.  Bom exemplo disto é o "Big Brother Brasil".  Aquele que não pode participar do programa, pelo menos participa "virtualmente" votando na saída dos participantes do mesmo.  No dia-a-dia há "mini BBBs", onde aquele que não se sobressai sente-se um inseto, um ser inferior.  Na realidade, nem todos têm a popularidade em sua personalidade.  Muitos são bons para trabalhar "atrás dos bastidores" e saem-se muito bem quando aceitam esta condição.  Como exemplo temos os cozinheiros, recolhedores de lixo/lixeiros (muito importantes para uma cidade), organizadores de eventos, médicos, dentistas, psicólogos (estes três últimos, logicamente, refiro-me aos não-famosos), empregadas domésticas e assim por diante.  Nem por isto, estes fazem um trabalho menos valoroso.  O que a maioria das pessoas hoje não entende é que para estar em evidência, é necessário conhecer e gostar muito bem do seu trabalho para não incorrer em erros grosseiros e graves.

Então Hammed completa que certas "rãs" na vida social, por sentirem-se inferiores, reagem frente ao mundo exterior com ares de superioridade, acreditando serem muito mais importantes do que realidade são.  Sendo consideradas por muitos como ridículas.

Assim, a inveja tende a trazer rebeldia, pois há um inconformismo frente à lei natural, assim como uma suposição irreal à respeito de nossa condição pessoal quando nós achamos que somos "pessoas muito especiais".  Ao invés disso, deveríamos compreender que podemos e devemos compartilhar com todos a diversidade da existência; pois é esta compreensão que nos trará bons relacionamentos, sensação de bem estar e completude na vida.

Atualmente, olhando para o âmbito social, fica fácil de compreendermos a inveja, creio eu.  Que possamos fazer boas reflexões sobre nós mesmos e o mundo que nos cerca.

Boa semana a todos!















 

2 comentários:

  1. Orientadora e esclarecedora, como sempre, Sônia. Inveja e admiração não deixam de ser antônimos. Aprendi mais esta! Gosto de estar nos bastidores.😉

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