Caros leitores,
A fábula:
"Um lobo, que era magro de dar dó, pois boa vida não lhe davam os cães de guarda, certo dia encontra um desses animais, tão gordo e tão forte que era de fazer inveja.
O cão, que estava perdido, pois se distanciou dos donos enquanto eles passeavam, em vez de atacar o lobo, deu-lhe um pedaço da carne que trazia.
O lobo come com prazer, mas temendo que o cão o atacasse, como os outros cachorros que tentavam se aproveitar de sua fraqueza, dirigiu-lhe a palavra humildemente e fez um elogio, dizendo-lhe que admirava sua robustez e que gostaria de ficar como ele.
O cão explicou-lhe:- Se quer ser bonito e gordo como eu, deixe o bosque e me acompanhe. Seus semelhantes são miseráveis, pobres diabos sem opção, cuja única condição é morrer de fome. Venha comigo e você terá um destino melhor.
O lobo perguntou:- O que será necessário fazer?
E o cachorro respondeu:- Quase nada. É mesmo pouca coisa: basta afugentar os que portam cacetes, ou vêm mendigar; defender a todos os da casa, e ao dono com agrados receber. Em troca da caça que você conseguir, as pessoas lhe darão moradia, carnes - quem sabe, até lombo, restos de ossos de peru, perdiz, frango e pombos... Isso sem falar de muitas carícias. Venha comigo. Você irá sentir prazer em ter um senhor.
O lobo, já antevendo tamanha felicidade, chora de emoção e decide acompanhar o cão de guarda. Percorrendo o caminho que o levaria à fartura e aos bons tratos, ele vê algo que lhe pareceu suspeito no pescoço do cachorro e pergunta:
- Que é isso em seu pescoço, amigo?
- Nada...
- Mas como nada? E essa pelada?
- Essa é a marca da coleira que põem em meu pescoço quando fico preso.
- Coleira? Preso? - indaga o lobo algo surpreso. - Não se pode sair quando se queira?
- Nem sempre, e importa?
- Claro! Isso tem muita importância. Eu nunca trocaria por qualquer iguaria a liberdade. De todas as suas refeições eu não quero nenhuma. O preço que eu teria que pagar por elas é muito alto.
Dizendo isso, o senhor lobo desaparece por entre o verde do bosque e vai caçar."
A liberdade é um tema um tanto quanto polêmico. Aqueles que acham que gozam de total liberdade são justamente aqueles que não possuem liberdade alguma. Para o dicionário Aurélio, liberdade tem algumas definições. Analisemos duas delas:
1. Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a sua própria determinação; poder de agir, no seio duma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas.
Neste primeiro caso, o indivíduo é livre porque decide ou age baseado naquilo que acredita ser verdadeiro, desde que obedeça a certas regras sociais e com vistas a não prejudicar a si ou aos outros. Aqui ele não reflete sobre os seus atos ou decisões, apenas é livre para ser ou fazer o que a lei permitir.
2. Independência, autonomia.
Neste caso, já há algo de consciência envolvida onde a criatura independente que possui certa autonomia está pronta para a auto realização porque age, pensa, vê e sente por si mesma. Na realidade, este segundo conceito abarca o primeiro porque a conscientização de si e do outro pressupõe a lei e as normas sociais.
Aquele ser que consideramos liberto se auto realiza porque cria e produz a partir de seu projeto íntimo; ele se conhece e sabe o que quer; conhece e vivencia a atualidade no próprio tempo e/ou espaço, de tal jeito que o seu espírito é o quem sempre guia e orienta, conduz e ilumina a todo o momento.
Na história, o lobo deixa-se conduzir pelo cachorro no primeiro momento, mas consegue perceber onde estava se metendo e consegue raciocinar e escapar da "cilada" em tempo. A pessoa livre é segura de si e por isso não precisa de conselheiros, crenças impostas, ideias e ideais dos outros. Para ser livre não podemos ser escravos da opinião ou julgamento do outro; não podemos nos iludir com as aparências exteriores ou promessas fantásticas; devemos viver os fatos reais, respeitando o tempo de cada conquista e reconhecendo em cada um o grau evolutivo que lhe é devido.
Hammed nos lembra que "quando nos deixamos levar pelo canto da sereia, perdemos o contato com o divino em nós." Se o lobo fosse até o fim seguindo o cachorro, ele perderia a sua própria natureza que é divina. O próprio cachorro já havia perdido a sua natureza, pois já estava domesticado pelos homens.
Todas as pessoas anseiam pela liberdade, entretanto ela é uma conquista permanente, não é uma situação estanque a qual uma vez alcançada podemos nos considerar livres. Ela é construída e elaborada dia-a-dia.
A liberdade faz parte da vida de pessoas corajosas, aquelas que foram bem sucedidas em romper as amarras que a sociedade lança sobre nossas mentes diariamente. Só é livre aquele que não dá ouvidos às vozes da opinião social.
Muitas pessoas vivem amarradas e totalmente encarceradas por uma quantidade enorme de ditadores internos e externos.
Às vezes o indivíduo segue a opinião dos outros por receio de não ser aceito pelo grupo por medo da solidão. Então ele entrega a sua liberdade para os outros em troca da companhia e da aceitação. Entretanto, nestas situações ele não é aceito pelo que ele é, mas pelo que os outros acreditam que ele é. Em verdade ele também não sabe quem ele é porque para ele o importante é pertencer ao grupo. Além de entregar a sua vida ao outro ou ao grupo, ele também entrega seus anseios e a sua vida, assim como o cachorro da fábula que entregou sua liberdade em troca de comida e conforto. O lobo por sua vez, preferiu ir em busca de sua comida e do seu conforto e assim, continuar livre.
Desnecessário dizer que para conquistar a liberdade é uma condição "si ne qua non" autoconhecer-se. Como ser livre sem conhecer o que se quer? No exercício da liberdade é necessário avaliar, ponderar e julgar o que fazer ou não fazer, em concordância com as metas e possibilidades próprias e não com opiniões alheias.
Mas, a maioria das pessoas possui "a marca da coleira", como o cachorro. Ele na realidade "vivia solto", mas não "vivia livre". Os homens que "vivem soltos", vivem alienados, distanciados das realidades que os cercam, ou seja, não conhecem ou compreendem seus impulsos íntimos que os levam a agir e viver de forma estabelecida. Eles ignoram os fatores sociais, emocionais ou culturais que os movem. Eles não "vivem livres".
A liberdade é uma dádiva concedida ao indivíduo de poder exprimir-se de acordo com a sua vontade, consciência e natureza de forma responsável. Ela é a condição necessária da alma humana para construir seu destino, e deve ser como diz o adágio popular: "liberdade com responsabilidade". Lembremo-nos de que é a responsabilidade do homem que faz sua dignidade e moralidade. Sem ela, ele não seria mais do que um autômato, um joguete das forças sociais; a noção de moralidade é inseparável da de liberdade.
O livre-arbítrio, o livre-agir, a liberdade é, assim, a expansão da personalidade e da consciência. Quanto mais o indivíduo aumenta sua consciência, mais ele compreende a liberdade. Para sermos livres, devemos esforçarmo-nos para libertarmo-nos da ignorância, das paixões vis, ou seja, daquilo que impede nossa evolução. Quanto mais evoluímos, mais liberdade abraçamos. E já que a evolução é individual, não há como sermos conduzidos por padrões estereotipados. Quando preenchemos nossa mente com os conhecimentos dos outros, alienamo-nos de nós mesmos e retardamos nossa evolução. Quando aprendemos a pensar por nós mesmos experimentamos a liberdade.
A liberdade é um direito natural, faz parte de nossa herança divina. Reflitamos sobre as seguintes perguntas para identificarmos nosso grau de liberdade no mundo:
- Qual o grau de influência da opinião alheia sobre os meus atos e atitudes?
- O que me dificulta ter suficiente autonomia para tomar minhas próprias decisões?
- O que me impede de desfrutar de uma vida plena?
A liberdade de agir e de pensar, o livre-arbítrio, nos concede o poder de mudar nossas ideias, nossas concepções ou pensamentos, nossos modelos e de optar por crenças mais apropriadas ou favoráveis ao nosso desenvolvimento interior com vias a melhorias no nosso desenvolvimento exterior. Quando sentimos ter escolhido errado, sempre podemos "desescolher" e escolher novamente. Em muitas circunstâncias pode dar trabalho, mas sempre há como fazer novas escolhas. Isto é liberdade.
E, como expandir a liberdade ao nosso derredor? Poucos auxiliam a libertar os companheiros de jornada, mas há uma multidão que tende a aprisioná-los. Se verdadeiramente queremos auxiliar os que amamos a serem livres, concedamos-lhes autonomia e independência tal como preservamos para nós a capacidade de nos autogovernar. Todos temos nossos caminhos e aprendemos através do livre ir e vir de nossos espíritos.
Na história, o cão representa o ser alienado - aquele estado doentio do ser que perdeu o contato consigo mesmo e com o que acontece ao seu redor. O indivíduo alienado é o indivíduo sem consciência de si e dos outros. As pessoas alienadas não possuem a si mesmas, ou seja, não se conhecem e, portanto tornam-se sua própria negação, pois por não se conhecerem, negam seus desejos e sonhos íntimos e seguem sonhos e desejos alheios. Negam a si próprias para poderem pertencer a um grupo e não serem consideradas marginalizadas. Mas marginalizam-se a si próprias em prol da vida do grupo. Pessoas alienadas são facilmente manipuladas e não são indivíduos confiáveis, porque são fraudes - não são reais, são cópias malfeitas dos outros. A alienação dificulta a evolução porque o indivíduo não cresce porque não sabe o que deve modificar ou não, para seguir adiante.
Quando nos conhecemos, sabemos o que devemos realizar, qual é a nossa tarefa nesta existência, conhecemos nossos potenciais, nossas capacidades e lutamos para ultrapassar obstáculos e superar limites.
Aquele que age de acordo com o ponto de vista alheio está muito distante de ser uma pessoa livre. Um dos bens mais valiosos do homem é a sua liberdade. Não se deve trocar a liberdade por nenhuma utilidade, conveniência ou prazeres. Mas o mundo está repleto de pessoas que a trocam por esses itens. Na realidade, eles a trocam porque não aceitam viver com as consequências dos próprios atos e atitudes. Muitos acham que se seguem um líder, é ele que deve sofrer as consequências, entretanto, isto não é verdade. Se seguimos um líder até o abismo sem perceber, sem refletir, todos caímos no abismo - tanto o líder quanto seus seguidores.
A liberdade não é viver livre de correntes e sem controle, mas consiste em ser o próprio mediador na contenção de ímpetos (impulsividade), na avaliação das ações (reflexão), no limite dos desejos (anseios) e na moderação das emoções. E, olhando sob este prisma, podemos reconhecer que poucos de nós podem se considerar livres.
A liberdade é um tópico que aprecio muito. Estou sempre em busca de encontrá-la e compreendê-la; talvez por isso, me interesso muito pelo assunto. Hammed, nesta fábula, ajudou-me a compreendê-la melhor. E vocês? Como entendem a liberdade?
Boa reflexão e boa semana!
Quanto já me deixei influenciar pela opinião alheia com medo da solidão. Sou grata ao meu mentor por me auxiliar no discernimento
ResponderExcluirpara a tomada de decisões, seguindo a consciência e ouvindo a intuição.
O medo da solidão assusta mesmo. Por coincidência, hoje conversei com uma pessoa que me fez ver que não precisamos pertencer a nenhum grupo para sermos felizes. Basta ampliarmos nossa mente com todo o conhecimento disponível para nós e amarmos a todos. Muitas vezes a solidão é uma benção. E, só lembrando, NUNCA estamos sós.
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