quarta-feira, 28 de julho de 2021

A RAPOSA E A CEGONHA

 Amigos leitores,

Vamos à história.

"A comadre raposa, apesar de mesquinha, tinha lá seus momentos de delicadeza.  Num dos tais, convidou sua vizinha cegonha a partilhar da sua mesa.

O banquete foi pequeno e não muito refinado, pois a raposa vivia de maneira econômica.  Um caldo ralo servido num prato raso foi oferecido à cegonha, cujo bico, muito duro e comprido, cada vez que tentava tomar a sopa, batia no fundo do prato, e ela nada conseguia beber.  A raposa, esperta, aproveitou-se disso e lambeu a sopa toda.

Para se vingar, a cegonha convidou a raposa para jantar.

Na hora marcada, chegou à casa da anfitriã. Esta, com caprichoso afã, pedindo desculpas pelo transtorno, solicitou ajuda para tirar do forno a carne, cujo cheiro enchia o ar.

A raposa, gulosa, espiou o cozido: era carne moída - e a fome a apertar! Sentou-se depressa à mesa, esperando a comida chegar.

Nesse momento, a cegonha entrou na sala e colocou sobre a mesa uma vasilha de gargalo estreito e muito comprido.  Lá dentro, estava a carne macia e cheirosa que seria o jantar.

Vocês já perceberam o que aconteceu? A cegonha, com seu bico fino e comprido, conseguiu comer toda a carne, enquanto que a raposa tentava enfiar lá dentro o focinho, sem sucesso.  Pobre raposa! Quis dar uma de esperta e só o que conseguiu foi levar de volta sua barriga, roncando de tão vazia.  Voltou em jejum para casa, envergonhada, com o rabo no meio das pernas e as orelhas baixas.

La Fontaine diz ao final desta fábula; Embusteiros, é para vocês que eu escrevo: esperem sempre pelo troco.  Quem planta, colhe."

Com esta fábula, La Fontaine apenas demonstra que tudo aquilo que realizamos de ruim para os outros volta para nós, mais cedo ou mais tarde e, dependendo do momento que volta, pode voltar com intensidade diferente e pode causar também reações diferentes no indivíduo que o recebe de volta.  A história é um tanto agressiva e o ideal não é revidar, mas como ele tinha que colocar dois animais (como já foi dito no primeiro texto, fábulas são histórias fictícias que envolvem animais ou divindades, com um toque de humorismo), ele escolheu a raposa e a cegonha para ilustrar a vingança imediata.

Hammed traz outra história para ilustrar uma vingança tardia.

"Numa aldeia um homem foi condenado a ser atirado num poço abandonado e vazio.  A população da vila achou por bem fazer sua própria justiça, pois tinha sido ofendida e desrespeitada por esse homem.

Então, jogaram-no neste poço e começaram a lançar sobe ele muitos insultos juntamente com lama e lixo das ruas - alguns cuspiam também.  Repentinamente, surgiu um homem que lhe atirou, com raiva, uma pedra.

O homem então, com surpresa, olhou para cima e perguntou àquele que o agredia: "Eu reconheço que errei com todos os outros que me condenam ou atacam, mas você eu não conheço.  Quem você pensa que é para me atirar pedras?"

O agressor à beira do poço responde: "Sou aquele que você arruinou há 20 anos."

O condenado então perguntou; "E onde você esteve todo este tempo?"

Ao que o homem responde: "Durante todo este tempo venho carregando uma pedra no meu coração e agora que te encontrei, vulnerável e nesta miserável condição, resolvi colocar a pedra em minha mão."

Esta história trata, como já foi dito, da vingança tardia ou retroativa.  Este tipo de vingança caracteriza-se por mágoas guardadas em segredo durante muitos anos, nódoas emocionais ou feridas da alma.

Ambos os tipos de vingança, tardia ou imediata, são prejudiciais à vida.  Analisemos cada uma delas.

No primeiro caso, da cegonha e da raposa, da vingança imediata, o fato é menos prejudicial para um dos lados - o lado da cegonha.  Esta se vingou quase que de imediato, querendo dar uma lição na raposa.  É quase como "mostrar" à raposa o que ela fez.  Pode trazer bons resultados de aprendizado, se a raposa aceitar a lição, do contrário, ela pode, por exemplo, sentir-se enraivecida e atacar a cegonha.  Então, neste caso, a cegonha também sairia perdendo com sua vingança "orgulhoso-vaidosa" e se machucaria.

No lado da raposa, como o texto diz, "voltou em jejum para casa, envergonhada, com o rabo no meio das pernas e as orelhas baixas".  Nesta fábula, ela entendeu o que havia feito com a cegonha e envergonhou-se, ou seja, tomou consciência do seu erro, aprendeu a lição.  Muitas vezes, quando nos envergonhamos por causa de alguma coisa aprendemos a lição, e dificilmente a repetimos.  Entretanto, também existem casos de pessoas que passam por humilhações, vergonhas e mesmo assim não compreendem onde erraram, ou até não admitem que errem e não entendem como fazer para não repetir o erro. Se usarmos o raciocínio e se quisermos crescer e aprender, lançamos mão da humildade e compreendemos o nosso erro.

Outra atitude que poderia advir da raposa como já mencionei, é a raiva.  O seu orgulho ferido poderia por tudo a perder e ela poderia atacar a cegonha.

Buscando o lado mais sombrio da situação, ela poderia virar uma "bola de neve" onde as vinganças se sucederiam até a destruição de um dos lados (a raposa vingando-se da cegonha que se vinga novamente da raposa e assim por diante).

No segundo caso, do homem que atira pedras no condenado, da vingança tardia, o fato é bastante pernicioso para aquele que guarda as mágoas por um bom tempo e depois resolve vingar-se.  Na história contada por Hammed, o homem que atirou a pedra, vingou-se casualmente, pois estava passando por ali, viu seu desafeto e aproveitou a oportunidade para desforrar-se dele, por um ato prejudicial que o condenado cometera no passado.  Todavia, poderia ser diferente - a vingança poderia ter sido planejada com minúcia e estratégia, para depois ser colocada em prática num momento que o vingador achasse adequado.  Ainda existe também, a questão do teor vibratório da ação.  Sabe aquele ditado "o perfume permanece nas mãos que entregam flores?" Pois é.  Aquele que se vinga também sente os efeitos negativos de sua vingança planejada.

Assim, nenhuma das duas vinganças, a imediata e a tardia são situações positivas, pois trazem à tona o pior daquele que se vinga.

Então como fazer para não guardar mágoas, ou melhor dizendo, como fazer para não desejar a vingança? Qual a melhor atitude quando enfrentamos situações de ultraje ou de afronta?  Hammed nos faz refletir: se uma farpa de madeira, por acidente, introduz-se em nossa pele, qual atitude devemos ter? Com certeza, removê-la o mais breve possível.  Se ela for deixada na pele, parada, poderá causar dor e até pode infeccionar e, por consequência, contaminar todo o nosso organismo.  Com as farpas venenosas da vingança que se instalam em nosso espírito, é necessário fazer a mesma coisa, antes que os planos de revide comecem a se delinear em nossa mente.  Claro que as farpas da vingança são mais difíceis de serem extirpadas do que as farpas de madeira.  Para extirpá-las o processo começa exatamente em nossa mente.  De nós depende analisar e transformar as situações de ultraje, de ofensa.  Mas, como? Mudando o nível de consciência para alterar a concepção sobre os atos e atitudes que vivenciamos.  Como assim?

Bem, tentemos explicar melhor.  Quando percebemos que alguém nos ofendeu, ou nos acusou/difamou sem razão, o ideal é rever as próprias emoções que gravitaram em nosso íntimo no momento da ofensa; talvez o outro tenha pisado em nosso "calcanhar de Aquiles" e não percebemos conscientemente.  Daí a importância do autoconhecimento.  Se você conhece os seus pontos fracos, deve fortalecê-los para não cair como um "patinho" - não cair em armadilhas.

Por exemplo, se você tem o costume da maledicência e quer eliminá-lo de sua personalidade deve ficar longe de rodinha de amigos, que usualmente faz uso deste tipo de comportamento.  Outro exemplo: suponha que você se acha limitado, com baixa autoestima e alguém, intencionalmente ou não, acusa-o de ser "burro" (ignorante).  Você poderia sentir muita raiva e buscar revidar.  Aqui, também o autoconhecimento presta um enorme serviço à sua harmonia interior, pois você compreenderia que esse é o seu ponto fraco que deveria trabalhar.

Para evitar os planos de vingança, devemos ter empatia; devemos ter a capacidade de nos identificarmos com o outro - a ideia é, emocionalmente, tornarmo-nos conscientes e compreensivos com os atos do outro que o levaram a nos ofender, humilhar, caluniar; ponderarmos quais seriam os sofrimentos que ele carrega no seu íntimo para ter agido de tal maneira.  Outras considerações a pesar seriam tentar saber que tipo de aprendizado ele teve para agir no meio social, qual seu nível de discernimento do mundo que o cerca, qual sua maturidade.

Hammed completa afirmando que o ser empático possui sensibilidade suficiente para perceber a emoção que levou o outro a agir daquele jeito e então, ele consegue atenuar ou reduzir o "abalo íntimo" que ele sofre diante de certos atos e atitudes alheias.

E, então quando falamos do ato de não se vingar, temos que falar do ato de perdoar.  Se exercitarmos a empatia, se buscarmos compreender os atos alheios, principalmente àqueles dirigidos a nós de maneira negativa, estamos a caminho do ato de perdoar.  Quando desejamos perdoar alguém, precisamos acrescentar às coisas novos significados, ou seja, compreender uma experiência de forma diferente.  Para perdoarmos, precisamos refazer ou modificar nossas atitudes, voltarmos nossa atenção para o outro lado da questão e até talvez, perguntarmo-nos: "O que mais isto poderia significar?"

Muitas vinganças familiares, crimes, guerras acontecem porque as ofensas não são relevadas, esquecidas, compreendidas.  Talvez por isso a igreja moderna tenha modificado a frase do Pai-Nosso "Pai, perdoai as nossas dívidas assim como perdoamos aos nossos devedores" para "Pai, perdoai as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tenha ofendido".

Quando fazemos o exercício de reflexão para compreendermos e perdoarmos o outro, todos nós crescemos e todos nós evoluímos igualmente, porque podermos ver com clareza que todos têm dificuldades iguais às nossas e que se nós estivéssemos em sua condição ou situação, talvez atuássemos do mesmo modo.  Essa postura de vida leva à solidariedade, a uma convivência de teor ético e a relacionamentos mais saudáveis.

Quando criamos expectativas irreais a nossos respeito e a respeito dos outros, podemos nos frustrar facilmente.  Se não refletirmos, compreendermos e buscarmos uma razão dentro de nós, nódoas de desgosto podem tomar conta de nossas vidas.  A mágoa pode se instalar sutilmente no início e pode desencadear desejos de vingança mais adiante.  

Uma mágoa acalentada por anos a fio pode trazer enfermidade tanto para o corpo como para a alma.

Hammed define o revide como o ato ou efeito de polemizar, rebater, replicar uma crítica ou ofensa, ou também reação imediata e penetrante a um acontecimento.

Uma das vantagens de não revidar e perdoar é nos livrar dos desgastes de energia e da fadiga do revide, das discussões, das brigas, da raiva e da crítica.  O perdão traz paz interior.  As emoções de melindre e ressentimento, por sua vez, trazem mal estar, cansaço, queda de adrenalina.

Moral da história, para finalizar: aquilo que plantar, colherá.  A vingança nunca substitui o mal que se sofreu - ao contrário, pode trazer males maiores.  É como um bumerangue que volta para nós, quando o arremessamos.

Mas, é importante lembrar que quando perdoamos, não queremos dizer que concordamos com os atos de agressão cometidos a nossa pessoa, pois estes violam valores e modos de pensar e agir de um indivíduo.  Não está em nós julgarmos os atos e comportamentos de nossos semelhantes.

Perdoar é uma nova maneira de ver a vida fora e dentro de nós. Quando perdoamos genuinamente, o outro pode transformar-se em nosso amigo.

Acho que o texto de hoje deu para refletirmos bastante.

Boa semana!

Até!






























Um comentário:

  1. Tenho o livre arbítrio para escolher o bem ou o mal, depende quais energias quero arregimentar: benfazejas ou nocivas.

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