sábado, 1 de outubro de 2022

"AS CIDADES E AS SERRAS"

Amigos leitores,

O livro do mês de setembro em nosso clube de leitura foi "A Cidade e as Serras" de Eça de Queirós. O livro foi escrito em 1901.  O enredo é bastante interessante e consegue levar o leitor a sentir as mesmas sensações de um  dos personagens - são praticamente apenas dois personagens marcantes, amigos de longa data - o narrador José Fernandes e o seu amigo Jacinto.

A primeira parte do livro é passada em Paris, no fim do século XIX.  Nesse contexto acontece a vida na cidade, primeiro item do título.  Essa parte é deveras entediante, onde há a descrição do casarão onde mora Jacinto. José Fernandes vai ficar uns dias com ele, pois este mora nas serras do título, uma região campestre em Portugal, na cidade de Guiães.  O idioma do livro está em português de Portugal e há, nessa primeira parte, muitas palavras difíceis e também expressões usadas em Portugal, mas felizmente, o livro que li, da Editora Martin Claret, possui um glossário, no rodapé de cada página, das palavras não usuais para nós brasileiros podermos compreender (e são, realmente, muitas palavras).  Algumas pessoas do grupo pararam de ler pela chatice dessa parte.  O mais interessante para quem leu o livro na íntegra como eu, é perceber claramente a diferença da vida na cidade e da vida nas serras.  

O personagem Jacinto que vivia em Paris, nesse casarão, com todas as facilidades de uma cidade grande, com muitos aparelhos facilitadores da vida (como os temos hoje), inclusive aparelhos fictícios, pois nessa época muita coisa nem existia - tais como: fonógrafo, conferençofone, teatrofone; também haviam utensílios estranhos na cozinha.

Os dois amigos conversam bastante, são muito cultos, citam muitos personagens históricos de várias vertentes.  Mas Jacinto repete muitas vezes a sentença: "Eis a civilização!" Ele aprecia ter tudo do bom e do melhor em casa - era rico, um fidalgo - mas o tédio o acompanhava - como disse um personagem: "Ele sofre de fartura", "tédio da riqueza" -e esse tédio acompanhava também a nós, os leitores. Há muitas partes engraçadas, pois o absurdo do excesso de coisas nessa casa alucina.

Para aqueles que conseguiram passar pela história na cidade, a segunda parte do livro - as serras - se encanta.  A descrição do campo, das árvores, das flores, das cores, do clima, da casa é magnífica.  Jacinto possuía uma Quinta nas serras de Portugal, na cidade de Tormes, perto de Guiães.  Jacinto, de início, ressente-se por estar no campo, mas depois de um tempo, a vida nas serras levanta o seu ânimo e nós leitores também nos embevecemos com esse local.  A descrição acaba passando para nós um lirismo e romantismo muito esperado.  Nós, leitores, e Jacinto começamos a respirar um ar mais puro, apreciamos a beleza da natureza, os astros no céu e até o clima (embora muitas vezes, chuvoso) - é um bálsamo.

Jacinto renasce para a vida.  Numa passagem, ele comenta com José Fernandes: "Na natureza nunca eu descobriria um contorno feio ou repetido! Nunca duas folhas de hera, que, na verdura ou recorte, se assemelhassem! Na cidade, pelo contrário, cada casa repete servilmente a outra casa; todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação; as ideias têm todas o mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como as libras; e até o que há mais pessoal e íntimo, a ilusão, é em todos idêntica, e todos a respiram, e todos se perdem nela como no mesmo nevoeiro... A mesmice - eis o horror das cidades!"

Numa outra passagem ele descobre sobre o pessimismo: "o pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da vida; portanto lhe tira o caráter pungente de uma injustiça especial, cometida contra o sofredor por um destino inimigo e faccioso! Realmente nosso mal sobretudo nos amarga quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho - porque nos sentimos escolhidos e destacados para a infelicidade, podendo, como ele, ter nascido para a fortuna.  Quem se queixaria de ser coxo - se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem e borrasca de um inverno especial, organizado nos céus para o envolver a ele unicamente - enquanto em redor toda a humanidade se movesse na luminosa benignidade de uma primavera?... o pessimismo é excelente para os inertes, porque atenua o desgracioso delito da inércia."

"A Cidade e as Serras" foi um dos últimos livros de Eça de Queirós.  Ele formou-se em advocacia em Coimbra; trabalhou como diplomata, cônsul na Inglaterra, em Newcastle e depois em Bristol, e também foi cônsul em Paris, nas Antilhas Espanholas e em Cuba.  Depois de consagrado como escritor escrevia para vários jornais portugueses e brasileiros.

No livro "As Cidades e as Serras" Eça de Queirós louva a natureza e a vida simples, dando a entender que a civilização e o progresso técnico são empecilhos à felicidade.  Em realidade, também sou de opinião que o homem vive melhor se estiver em contato com a natureza.  O Editor aponta o livro como "uma sátira dos progressos ainda canhestros dos tempos modernos e reencontro do romancista com a paisagem de sua meninice.  Vê-se também aí, no jogo dos contrastes, o apego nostálgico à essencialidade honesta da vida ainda natural e limpa do interior."

Um dos componentes do clube de leitura fez a seguinte comparação da imagem sonora da prosa de Eça de Queirós com a de Machado de Assis: "Os dois são da língua portuguesa, então dá para comparar, o que não acontece com os estrangeiros, pois neste caso os livros são traduzidos.  Observar que a página impressa funciona como uma partitura de uma música, cabendo variações do modo de interpretar no sentido da sonoplastia, o que não é possível nas traduções que quando bem feitas podem trazer a imagem visual, o clima psicológico, etc. mas não a sonoplastia." Ele quis dizer do som das palavras, ou seja, a imagem sonora quando lemos o livro em voz alta ou as palavras no nosso pensamento ao ler o livro.  Quer dizer, se formos ler esse livro em voz alta, perceberíamos através das palavras escolhidas pelo escritor,  a "chatice" da parte da cidade e o lirismo da vida bucólica nas serras. A dita comparação entre o escritor brasileiro e o português é que o brasileiro tem uma escrita menos marcante, usa palavras mais simples e com isso, muitas vezes, não sentimos a profundidade do texto, ao passo que ao ler o escritor português, nos enriquecemos com sua descrição dos locais, tornando a nossa leitura mais agradável.

Eu recomendo a sua leitura e desejo uma dose de boa vontade com a leitura da primeira parte na cidade e o deleite ao ler a segunda parte no campo.  É como se alimentar de algo não tão gostoso mas necessário e depois deliciar-se com a sobremesa.

Boa semana pessoal!






2 comentários:

  1. D.Galião migra de Tormes, Portugal para Paris com sua esposa e Cintinho o filho. Compra um Palácete em Campos Elisios, o 202.
    Alí, nasce o Jacinto da estória.
    Jacinto, tinha como fiel amigo o Zé Fernandes, que é quem conta as peripécias dos dois ,tanto na cidade como nas serra. Jacinto , jovem culto, inteligente.
    Transforma seu palacete num local onde tudo o que há de inventos, cultura, artes de todas as formas e novidades da época era ali instalado.(séc.19). Sua quinta em Tormes sempre muito prospera, lhe rendia muito dinheiro, o que facilitava sua vida de fidalgo.
    Sempre acompanhado do amigo Zé frequentavam a melhor sociedade parisiense, com as melhores companhia. No entanto Jacinto começou a sentir se enfadado com aquela vida de tudo ter sem mais nada para desejar e começou a ficar muito abatido e sem vontade para mais nada.
    Então, chega pelo seu administrador, notícias que Tormes está passando por dificuldades e resolve ir para lá com o amigo Zé Fernandes, que é português e a família é toda daquela região e inclusive é ele que fala da região
    das Serras com o amigo que não gosta nada de contato com o interior.
    Desloca se de Paris, indo para sua muito antiga casa em Tormes .Leva uma grande quantidade de malas com todo tipo de apetrechos que significa para ele a modernidade a civilização. Lá chegando encontra uma série de dificuldades. Logo no desembarque tem suas malas extraviadas, seu meio de transporte, não os aguardavam, tiveram que enfrentar as intempéries logo de cara. Chegando na nova residência, quase enfarta ao ver tanta diferença de locação . Precisa usar roupas emprestadas do empregado. Logo ele que de nada nunca precisou de alguém.
    Mudanças bruscas sucedem, mas, seu olhar para com as serras começ a mudar e toma gosto, pelas saídas pela manhã para ir conhecendo suas propriedades e a cada dia se enche de entusiasmo no contato com a natureza. Quer saber o nome de tudo. Sua vida ganha novo sentido. Ao encontrar os seus trabalhadores pensa em melhorar suas condições de vida principalmente moradia e saúde.
    Ele que nunca amou a mulher nenhuma, conhece a prima do Zé e foi amor a primeira vista.passa então a ser o cidadão serrano, casa se é constitui família.
    Por sua vez, Zé também se aquieta e procura esquecer Paris com suas luzes e ilusões.
    Penso que o autor consegue fazer um belíssimo paralelo entre a cidade e a serra, nos mostrando que não dá para dizermos eu não aceito ou não gosto de algo, pelo simples prazer de negar
    Quando se conhece muito ainda tem mais um tanto para conhecer.E foi o que aconteceu com o personagem da nossa estória. Amava a cidade pois era o que conhecia, evitava sempre conhecer as serras, no entanto entendeu que a felicidade está onde está nosso coração. Compreende que a civilização se fará e que dá para conciliar vida simples em contato com a natureza sem deixar ou esquecer os seus conhecimentos e culturas adquiridos.

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  2. Nasci no campo onde vivi a infância e adolescência. Gostei do contraste entre o bucólico e o urbano. Neste, a mesmice. Naquele, o cenário mutável.

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