quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

A CIDADE SEM SOMBRA

Olá leitores,

Hoje o texto é de autoria de J. Tucón.

Já imaginou viver num local sem sombras?  Então imagine um deserto, o mar aberto ou a calota polar.

E uma cidade sem sombras?

Bem, aí vamos ao modelo de cidade proposto pelo urbanista Le Corbusier há quase cem anos atrás: vias retas e prédios.

Se quiser ter uma ideia aproximada, vá conhecer Brasília.  Lá tudo foi inspirado em Le Corbusier.  O nome desse modelo de urbanismo é Ville Radieuse (Cidade Radiosa ou Cidade Radiante).

Árvores, bem... Estragam as vistas em grandes perspectivas, criam sombras e não se harmonizam com a ideia de grandiosidade e luz.

E essa ideia continua a inspirar nossos planejadores urbanos.

Aí vai um exemplo recente.

Curitiba, final de 2023, bairro do Capão da Imbúia: alargamento e retificação do traçado de duas ruas paralelas para criar o que se chama de um "binário" ou seja duas ruas de mão única em sentidos opostos.

Para isso foi necessário apenas numa das ruas abater vinte e nove árvores de grande porte.  Na outra, pelo menos duas cerejeiras e três álamos.

Uma das vias já está quase pronta.

O resultado?

A rua retíssima, criando uma enorme perspectiva focada lá na Av. Vítor F. Amaral; tudo ensolarado; sem uma sombra porque não há uma árvore sequer.

Não vou aqui me alongar em considerações de cunho ambiental.

Vou pensar na alma humana.

Na mesma época de Le Corbusier, o seu compatriota, o psicólogo Carl Gustav Jung (ambos eram suíços) desenvolveu o conceito de Sombra. Para ele, a Sombra eram os aspectos inconscientes da alma humana. Poderiam ser bons ou ruins mas tinham que estar fora do alcance da "luz". 

(A propósito, Jung construiu uma casa para si que nem de longe lembra as ideias de Corbusier).

Onde não há sombra, nada mais há a explorar.  A "luz" já resolveu tudo.  

É só a monotonia de uma folha em branco.

É esse tipo de urbanismo que pretende nos acolher enquanto seres humanos? Tudo feito de "luz" e "retidão"?

Não.

Vá a uma cidade medieval na Europa.  São ruas estreitas e curvas, passagens escuras, o sol e a sombra se alternando num jogo de luz e sombra ao longo do dia, criando locais sombrios, locais a meia luz e outros ensolarados.  A cada dia há algo a descobrir nesta "falta de racionalidade".

E assim também é a nossa alma e por isso nos sentimos tão bem nessas cidades.

Mas, guardadas as devidas proporções, o Capão da Imbúia era assim.  Árvores frondosas sombreando as ruas, as calçadas irregulares de vez em quando arrancando um palavrão, muros grafitados, asfalto rachado, casas antigas com histórias a contar, outras casas ainda novas e pretensiosas.

Humano e acolhedor.

Mas, agora, até os postes vão tirar.  Tudo plano! O que será dos cachorros sem teto? Vida de cão...

Concluindo:

SEM SOMBRA de dúvida, eliminar a sombra não foi uma boa ideia.


J.TUCÓN

É bacharel em Arquitetura e fotógrafo da Natureza.  Com seu projeto fotográfico The Architecture of Nature, pretende explorar as sutilezas da Flora, expressando o sábio jogo de luz e sombra que ela nos oferece a cada dia.

saatchiart.com/jtucon

Boa semana pessoal! 


 


 

Um comentário:

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