Caros amigos leitores,
O texto de hoje é de José Tucón.
"Quem escreve um livro cria um castelo. Quem o lê mora nele."
Monteiro Lobato
Num mundo em que o discurso de ódio tem que ser dirigido ao colesterol pode ser estranho um texto com este título.
Mas, esclareço desde já que também não se trata de nenhum libelo contra a gordofobia.
Trata-se apenas de reconhecer o papel importante que as livrarias de livros usados também conhecidas como "sebos" representaram em minha trajetória.
Vou aqui listar alguns deles: Sebo Ao Pé da Letra em São Paulo, sebo do Major Fleury (um ex-oficial do exército britânico) também em São Paulo, sebo da Sociedade Literária de Taos (no Velho Oeste), um sebo que tinha mais poeira do que livros em Montevideo e por fim uma carinhosa (sim, carinhosa) loja de livros usados em Cirencester, uma pequena cidade no interior da Inglaterra.
Vamos começar por onde tudo começou: Sebo Ao Pé da Letra. Num final de tarde eu estava lá fuçando as prateleiras quando chegou uma guria chinesa moradora do bairro e começou a conversar com o livreiro numa fala entrecortada por soluços. Tinha levado porrada do marido. Confessou que estava paquerando um outro homem que a tratava com delicadeza. Não sabia o que fazer. Sugeri que pegasse um livro do I Ching (oráculo chinês) e o abrisse ao acaso. O hexagrama que apareceu significava "namorado". Me disse que não sabia como agradecer. Propus então que me desse um livro de presente. Então foi impulsivamente a uma prateleira e pegou o primeiro que lhe veio a mão e me deu, dizendo: que abra seus caminhos! Era um livro sobre a tribo dos Navajos que habitam o Velho Oeste americano. Devorei o livro. Este livro me levou a conexões com outros e com a cultura dos índios do Velho Oeste que até hoje representa papel significativo na minha existência.
Passemos agora ao Sebo do Major Fleury. Estive lá há uns vinte anos atrás. Era (hoje não existe mais) um galpão comprido ao longo de uma avenida. Poeira para todo lado. Achei algumas joias raras e perguntei o preço ao velho Major (os livros não tinham preço marcado). Ele me respondeu: - Vá até aquela janela e me diga o que vê. Fui até lá e disse: Do outro lado da rua tem uma churrascaria. Ele respondeu: Qual é o preço do rodízio? Eu disse: Nove reais. Resposta: Esse é o preço de qualquer livro. De qualquer um! Ante a minha surpresa ele continuou: Você paga nove reais e o que você comeu acaba no vaso sanitário. Um livro que você lê fica para sempre na sua mente. Portanto é um preço pra lá de justo. Paguei os livros a nove reais cada um (eram raros) e só me restou lê-los.
Vamos agora a Montevideo. Em 2014 viajei para lá e me hospedei num hotel situado na vetusta Ciudad Vieja (um charme só). O hotel, uma construção antiga daquelas em que o elevador tem porta pantográfica, tinha um subsolo mal iluminado e todo empoeirado no qual estava o sebo de nome Aleph. "Aleph" é o nome de um conto genial de Jorge Luis Borges no qual o protagonista é levado a um porão sujo e empoeirado no qual ele encontra o Aleph, um ponto que contém todo o Universo. Nome perfeito para o sebo. Mas, o mais fantástico era o livreiro Raul que no meio de todos os livros empilhados no chão (é isso mesmo, não havia estantes) me diz: Estos son los libros que debes leer., depois de percorrer toda a "confusão" do local e selecionar três livros. Livros extraordinários! Aliás quem for a Montevideo que se prepare: livrarias e sebos por todos os cantos! Livros baratíssimos! Vale a pena levar uma mala, encher de livros e despachar para casa.
Vamos ao Velho Oeste. Lá no estado de New Mexico, perto do Grand Canyon e da fronteira com o Colorado está Taos, uma cidade com seis mil habitantes cheia de galerias de arte e que também tem suas livrarias e sebos. No caso, o sebo da Sociedade Literária de Taos, onde encontrei um livro incrível sobre a espiritualidade dos celtas, um misto de cristianismo e respeito aos ciclos da Natureza. Impactante! Foi nesse local que tive um "insight" cruel que foi a porta de entrada para uma mudança de objetivos, muito bem vinda por sinal.
E do Velho Oeste vamos para a velha Inglaterra mais precisamente no interior, região de Cotswolds onde está Cirencester, uma cidade medieval com cerca de dez mil habitantes, a qual abriga uma catedral medieval, a St. John the Baptist Church (no seu interior se experimenta o verdadeiro silêncio). Mas estou aqui para falar do sebo. Aqui seria melhor falar de loja de livros usados; tudo limpo e organizado com uma distinta senhora já idosa, a solicitude em pessoa. Fora dali só consigo imaginá-la tomando Yorkshire Tea numa refinada chávena de porcelana inglesa. Falei que estava interessado em livros de Astronomia e no ato subiu a escada com agilidade, demorou uns cinco minutos e voltou com três livros que mais tarde se revelaram ótimos, abrindo a mente para novas concepções do Universo.
Ao encerrar este texto constato que me esqueci de relatar a experiência que tive numa única visita que fiz a um sebo na cidade de São José dos Campos (SP). No meio de um monte de porcaria, eis que surge um livro do astrônomo Camille Flammarion chamado "O Fim do Mundo" onde, de forma brilhante são relatados todos os "contos do vigário" a respeito do fim dos tempos. Cara, o negócio começou bem lá atrás, antes mesmo de entrar no século II DC. Crédulos para serem explorados pelo visto sempre existiram.
Por tudo que foi contado não posso deixar de reconhecer o que os sebos significam na minha existência o que justifica o título deste texto.
Boa semana pessoal!
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