quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O CACHORRO QUE TROCOU SUA PRESA PELO REFLEXO

Caros amigos leitores,

Hoje traremos outra fábula.  Vamos à ela:

"Se os que buscam ilusões forem chamados de loucos, os dementes então são milhões, e os sensatos, muito poucos.

Esopo exemplifica essa falta de nexo com a fábula do cão que trazia nos dentes uma presa, um bom bocado de carne.  Debruçando-se sobre um barranco, ele viu, refletida na água, a imagem da própria presa, que ele acreditou ser outra ainda maior do que aquela que ele levava.

Iludido pela imagem, larga a presa e atira-se nas águas correntes em busca da "outra".  Como o rio estava muito agitado, ele quase se afoga e, só com muito esforço e sofrimento, alcança a margem.  Obviamente, sem a presa e sem o reflexo dela.

Quantos, como o cachorro, arriscam-se por uma ilusão!"

Embora a fábula fale de uma ilusão causada por um reflexo, na vida real é o oposto: precisamos de muita reflexão para não cairmos na ilusão.  Hammed aponta como fator primordial para nossa lucidez e sanidade mental, "entregarmo-nos a longas e profundas reflexões."

Toda reflexão começa com oração, meditação para alcançar concórdia, harmonia, conciliação, lucidez e paz em nosso íntimo.  Então, que seja dedicado algum tempo em nossa rotina para esta prática.

A agitação dos afazeres diários dificulta a quietude interna, que por sua vez dificulta a reflexão.  Quando há serenidade em nosso ser, podemos ver com mais clareza e lucidez e assim, abrir espaço para a reflexão, para depois agir com capacidade e segurança, e tendo assim grande probabilidade de atingir bons resultados nas decisões do dia a dia.

Atualmente, a humanidade em geral, tem muita dificuldade de aquietar-se e criar um silêncio íntimo para reflexão.  Há muito barulho externo, cultua-se o falar, o ouvir muita música alta e de qualidade duvidosa; há muito ruído em todos os lugares - nas ruas, em lojas, restaurantes, residências, nos transportes coletivos, etc. Principalmente nas grandes metrópoles há sempre alguém se comunicando pessoalmente ou por celular em todos os lugares.  Por isso, há dificuldade de concentração e esta dificuldade por sua vez, inviabiliza a reflexão.

Como agir convenientemente diante de situações e pessoas que surgem em nosso cotidiano, se não alcançamos o equilíbrio perfeito para tal, através da quietude íntima? Então, como diferenciar aquilo que realmente tem importância das ocorrências ilusórias? Quando mantemos a serenidade, somos auto responsáveis, irradiamos paz para todas as pessoas que encontramos pela frente, facilitando desta maneira nossas relações com elas.

Para melhor compreender o tema, trarei outra história:

"Conta uma antiga história persa que, em certa ocasião, um afortunado negociante buscou seu conselheiro espiritual.  Sentia-se deprimido, atribulado, cheio de amargura, pois acreditava estar lucrando pouco com seu comércio.

- Não sei o que está acontecendo comigo.  Tenho tudo o que sempre quis, mas ainda quero mais e mais.  Por isso me sinto infeliz.

O conselheiro, que era um homem sábio, olhou-o demoradamente, mas nada lhe disse.  Tomou-o pelo braço e pediu que olhasse através dos vidros da janela e descrevesse o que via lá fora.

- Vejo árvores, casas, jardins, fontes, pessoas, crianças distraindo-se com brincadeiras.

O conselheiro então colocou o negociante diante de um espelho.

- E agora o que você vê? - perguntou-lhe.

- Eu vejo a mim mesmo - respondeu ele.

E o sábio retrucou:

- Na verdade, o que agora você vê é seu reflexo no espelho.  O vidro espelhado o impede de vislumbrar a realidade, que existe além da sua imagem.  Há muitas coisas que não nos deixam ver a realidade nem o que realmente somos: a ganância, o preconceito, o poder, as homenagens, a preocupação de ganharmos destaque, de nos considerarmos melhores do que os outros... Será que seus negócios e sua desmedida ambição não lhe permitem ver a beleza da vida tal como ela é, com as criações e as criaturas de Deus, pois você apenas tem olhos para si mesmo?"

Concluímos desta história, entre outras coisas, que a ilusão é como um espelho onde vemos unicamente a nós mesmos.  Muitas vezes não enxergamos os fatos como eles são, e sim como aparentam ser.

Em realidade, o espelho tem mesmo uma excelente relação de semelhança para definir a ilusão.  A palavra miragem vem da palavra francesa mirage que significa ser refletido. Para o dicionário Aurélio, miragem é a) "efeito óptico, frequente nos desertos, produzido pela reflexão total da luz solar na superfície comum a duas camadas de ar aquecidas diversamente, vendo-se a imagem, de ordinário, em posição invertida; esse efeito cria imagens semelhantes a lagos límpidos, onde podem se refletir árvores, plantas ou cidades longínquas; b) visão fantástica, enganosa; c) fig. ilusão sedutora, sonho."

Usando-se de metáfora, podemos dizer que miragem é tudo aquilo que se apresenta como verdadeiro, mas que na realidade é uma ilusão, alucinação, devaneio.

Por ambição, muitos, na vida social, "arriscam-se por uma ilusão, como o cachorro."

O processo pelo qual enganamos a nós mesmos, afetando o jeito de percebermos a realidade, passando a aceitar como verdadeiro o que é falso chama-se auto ilusão - através dela, não vemos as coisas tais como são.  É realmente muito difícil não termos sido enganados por nossas ilusões em algum  momento de nossas vidas.  Mas, por que isso ocorre? Há fatores psicológicos inconscientes que podem desencadear este processo.  Hammed cita alguns:

Preconceito: este é um dos fatores principais para nossos enganos e mal entendidos.  Julgamentos precipitados sempre incorrem em erro quando não se tem conhecimento profundo de uma situação ou mesmo de uma pessoa.  Em realidade, não se sabe que tipo de preconceitos cada um ainda guarda dentro de si.  Coisas simples, verdadeiras e que trazem bem estar podem ser confundidas por causa do não conhecimento ou até por causa do conceito anterior errôneo (pré-conceito) que se tem delas.

Cobiça: muitas pessoas quando cobiçam, desejam ter algo, não medem esforços, passam por cima de qualquer obstáculo ou pessoa.  Na cobiça, o que se olha é o fim em si, é o alvo, o objeto desejado e não o trajeto para alcançá-lo.  Aqui há dois fatores que obnubilam a visão: o primeiro é o objeto em si.  Será que ele é tão importante a ponto de desarmonizar o seu dia a dia? Se o objeto fosse bom, verdadeiro não deveria trazer uma calma e uma quietude íntima? O segundo fator é o meio de alcançá-lo - não se levam em consideração pessoas, circunstâncias, tempo.

Para entendermos melhor, tomemos como exemplo uma pessoa que deseja ardentemente uma coisa, por exemplo, um carro novo.  Ela vai até a loja, vê o modelo e a cor que deseja, pergunta o preço.  Se ela possui o dinheiro, ela o compra e sai da loja muito feliz.  Entretanto, na maioria das vezes, aquele que deseja ardentemente um objeto, no caso, o carro, geralmente quer comprá-lo quando não tem dinheiro - então ele junta o dinheiro e compra a posteriori, ou então o compra em parcelas/prestações, às vezes, endividando-se além da conta.  A ilusão encontra-se no aspecto prático do objeto, neste caso, o carro.  Na cobiça não se vê a realidade.  Afinal de contas, uma vez adquirido o objeto cobiçado, ocorre uma insatisfação, pois o mesmo não preenche as expectativas iniciais porque fatores ilusórios foram levados em conta antes de sua aquisição.  O carro é apenas um carro e ele deve ser encarado tal como é: um veículo de transporte que facilite a vida do ir-e-vir e que transporte coisas e pessoas; o conforto e a economia podem ser levados em consideração, mas é só isso.  Muitos fazem do carro a extensão de seu corpo e de sua vida, e cuidam dele como se fosse um filho.  Em suma, ao invés de enxergarem a realidade do objeto, acreditam numa ilusão.

Ambição: muitos, hoje em dia, afirmam que aquele que não tem ambição, não se realiza, não cresce.  Em parte, isso pode ser real, pois também dizem que aquele que não realiza seus sonhos não é feliz.  Mas, aqui cabem algumas perguntas: qual a intensidade da ambição, que tipo de desejo está por trás dela e que tipos de sonhos um indivíduo possui? Quando a ambição é desenfreada e a cobiça é avassaladora, o indivíduo não consegue manter-se sereno e a intimidade enche-se de espinhos inúteis.  Hammed, com razão, afirma que "o ganancioso não possui bens, mas é dominado por eles."  A ambição produz mais insatisfeitos por não conquistarem as coisas, do que saciados com o que possuem.

Exclusivismo: para que nos iludamos cada vez menos na vida é imperioso estudarmos muito, auto conhecermo-nos e buscarmos conhecer o mundo através de experiências práticas do cotidiano.  Então, como já foi dito em textos anteriores, abrir a mente para o novo é imprescindível.  Tentar ser exclusivista, repelindo tudo quanto é contrário à nossa opinião, é prejudicial ao crescimento pessoal.  Não estamos certos o tempo todo, o mundo não gira ao nosso redor, há outras pessoas além de nós no planeta - ser exclusivista nos isola do mundo e nos faz mergulhar nas águas da auto ilusão.

Insegurança: no geral, o indivíduo inseguro é presa fácil da auto ilusão.  Como ele possui baixa autoestima, não confia em si próprio, não se conhece, então depende da aceitação e da aprovação de outros que, muitas vezes, lhe dizem o que deve realizar e ele ilude-se sempre achando que os outros valem mais do que ele, ou até que são melhores do que ele.

Quietude Íntima: "Cada um de nós encontra resposta de acordo com o silêncio que cultivou dentro de si mesmo."  Atitudes simples como a reflexão e a meditação trazem para nosso íntimo respostas para nossas questões cotidianas.  Somente aquele que as praticam sabe do que estamos dizendo.  Outros indivíduos que ainda não as exercitam, talvez estejam vivendo suas vidas de maneira desequilibrada, confusos, angustiados.  Quando nos interiorizamos, encontramo-nos com nosso ser verdadeiro - nesse lugar, onde reina a calma, a quietude, a serenidade, existem as respostas das perguntas mais difíceis "quem sou eu, de onde eu vim e para onde eu vou." Em cada retorno dessa viagem interna, o individuo traz subsídios para enfrentar os percalços da vida, realizar suas tarefas e caminhar certeiramente em direção ao seu destino.  Nesta ida e vinda de nossa intimidade, aprendemos a discernir tudo o que nos acontece, avaliar e ponderar situações, perceber a realidade fazendo uso de nossa consciência e nosso coração.  Para dificuldades emaranhadas, a quietude íntima é o único remédio que traz alívio eficaz.

No relacionamento entre pais e filhos e/ou cônjuges pode haver momentos de auto ilusão.  Em determinadas circunstâncias, acredita-se que o outro esteja falando a  verdade, mesmo que as evidências demonstrem ser contrárias. Para abarcar o mundo lembremo-nos que o ponto de partida é o autoconhecimento - quando nos conhecemos há pouca chance de auto ilusão.

Enquanto houver ilusão, haverá incerteza, distorção da direção para a meta desejada.  Só quando houver a desilusão, por mais dura que ela pareça no momento de sua descoberta, mais estabilidade e segurança haverá no caminho a ser percorrido.

A melhor maneira para mantermo-nos vigilantes no que tange a relação ilusão/realidade é, como já foi mencionado, a prática da oração e/ou da meditação, que traz paz, harmonia interior e a consciência de saber quando agir e não agir, através da reflexão.  Quando falamos em não agir, falamos em seguir a correnteza, ao invés de ir contra ela.  Um indivíduo nada e chega muito mais rápido à margem, quando, não resistindo ao fluxo da água, permanece tranquilo, sereno e deixa-se levar pelas mãos da natureza. Não podemos controlar tudo e todos; muitas vezes, não há como resolver conflitos e dificuldades diárias racionalmente - busquemos o equilíbrio e a alegria internos para que possamos tomar as decisões necessárias que nos cabem sem lutar inutilmente contra forças ilusórias ou reais.

Hammed define não agir como observar a naturalidade e espontaneidade da vida, para tomar decisões, se utilizando da sutileza e da suavidade, ao invés da força.  Para ele, não agir não significa ociosidade, lassidão, prostração, indolência, morosidade, nem viver a vida esperando as coisas caírem do céu. A filosofia do não agir pressupõe a prática de realizar ou buscar as coisas de maneira suave, obedecendo ao movimento contínuo de algo que segue um curso natural, como foi dito, um rio, ou o crescimento de uma árvore, sem usar de ações intrusivas e bruscas.

O cultivo do nosso bem estar interno deve fazer parte de nossa vida diária, assim como o sono, a respiração e os nossos pensamentos.  Cultivando diariamente nossa intimidade, aprendemos a clarear nossas ideias e, por conseguinte, realizamos escolhas mas adequadas para nossa vida.

No corpo deste texto, foi dado o exemplo dos pais que acreditam fielmente naquilo que os filhos dizem, mesmo que os indícios indicam estarem mentindo, porque não acreditam que estes possam estar faltando com a verdade, por desejos inconscientes de terem filhos fiéis e perfeitos.  Adultos como estes pais são incapazes de ouvir a voz interior e de utilizar a percepção e o discernimento.  Então, apontam defeitos de educação nos filhos alheios, mas ignoram os defeitos dos próprios filhos.  

Hammed nos lembra que a auto ilusão não é sempre uma fraqueza moral ou uma espécie de auto desonestidade.  Muitas vezes, é como uma cegueira cognitiva - processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio; ou até, em alguns casos, de incompetência, isto é, falta de autoridade ou dos conhecimentos necessários para o julgamento de algo.

Aqueles que buscam, consciente ou inconscientemente, ilusões, sofrem muito porque quando se deparam com a realidade, censuram-se e incriminam-se anos a fio, gerando culpa que dificulta o crescimento pessoal.

Este foi um tema de difícil compreensão, mas que pode trazer muitas reflexões.

Boa semana pessoal!




  



















 

3 comentários:

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Olá leitores, Recentemente assisti a um filme que me trouxe algumas reflexões. O filme era sobre um erro médico.  O título do filme era ...