Caros leitores,
Hoje traremos mais uma fábula. Para quem não sabe moleiro pode ser o proprietário de um moinho ou aquele que mói cereais profissionalmente.
Vamos à história.
"Na Grécia Antiga, originou-se este apólogo contado por Malherbe, poeta invulgar, a Racan também poeta, quando este lhe pediu sugestão sobre uma decisão a respeito da vida.
Perguntou Racan a quem deveria ele satisfazer: deveria ele satisfazer às suas vontades, satisfazer às vontades da corte ou às do povo?
Malherbe pensou um pouco e disse:
- Não sei se é prudente contentar toda a gente. Eis um conto que poderá ajudá-lo a encontrar a resposta:
Um velho moleiro e seu filho, que já tinha seus quinze anos, foram vender seu burro, um dia, no mercado.
O moleiro e seu filho levavam o animal e, a fim de não cansá-lo e alcançarem bom preço, resolveram conduzi-lo, desde o começo, com as patas amarradas e presas num varal carregado pelos dois.
O primeiro que os viu quase morreu de rir. O moleiro, então, colocou o animal no chão, mandou seu filho montar e continuou andando. Nisso, passaram três comerciantes e, horrorizados com a cena, comentaram:
- Onde já se viu? O rapaz, robusto, montado no burro, e o velho, a pé.
O moleiro, então, pediu que o filho descesse e cedesse o lugar para ele. Passaram três moças e uma delas disse:
- Que falta de vergonha! O marmanjo vai sentado como um rei e o pobre menino a pé.
O moleiro, embora soubesse que sua idade permitia que ele seguisse montado, colocou o filho na garupa e continuou seu caminho.
Nem bem o burro deu trinta passos, passou outro grupo e um deles comentou:
- Vocês não têm dó do seu animal doméstico? Como podem sobrecarregar assim o pobre burrico? Se vão vendê-lo na feira, ele vai chegar lá no puro osso!
- Por Deus - diz o moleiro - sofre da moleira quem quer agradar gregos e troianos!
E mais uma vez o moleiro procurou agradar ao caminhante. Os dois desceram do burro e seguiam pela estrada: o burro na frente e eles atrás. Alguém os viu e fez chacota:
- Dois burros andando, enquanto o outro trota!
Quem tem cão não precisa ir à caça com gato; quem tem burro não gasta a sola do sapato. Que queiram ir a pé é natural. Então, para que trazer o animal? Belo trio de burros!
Pensou o moleiro:
- Certamente, como um burro eu agi, mas daqui para frente farei como achar bom, sem escutar ninguém.
E assim ele fez.
Quanto a vós, quer sigais Marte, o amor ou o rei,
Quer fiqueis na província ou sejais viajantes,
Quer prefirais casar ou vos tornar abade:
Todos hão de falar, falar, falar..."
A fábula de hoje fala de decisões a serem tomadas, escolhas na vida. O filósofo e psicólogo William James escreveu: "Quando você precisa tomar uma decisão e não a toma, está tomando a decisão de nada fazer." Então quem não faz escolhas, escolhe não escolher. Você pode não querer plantar nada, mas uma vez feita a plantação, a colheita é obrigatória - entretanto, aquele que não planta, não colhe, não evolui, não vive - estagna. Mas, poucos trilham o caminho de nada plantar - sempre realizamos algo.
Como de costume, Hammed expande a parte filosófica de cada fábula e nos faz refletir em termos psicológicos. Então, ele afirma que para se ter êxito numa empreitada é preciso ter como guia interno o seguinte lema: "Devo parar de escutar simplesmente o que as pessoas dizem; só presto atenção no porquê (o grifo é meu) elas dizem."
Então, reflitamos: cada pessoa interage com outra, fala com outra de assuntos que digam respeito à sua própria personalidade, de acordo com sua maturidade - então o porquê cada um fala o que fala é aquilo que faz eco dentro de si.
Às vezes, quando se analisa esse porquê percebemos as razões, as motivações de vida de cada um. Em muitas circunstâncias o outro opina sobre a vida alheia tendo como ponto de partida sua própria vida - suas experiências do passado - tanto as bem sucedidas quanto as mal sucedidas - mas isto não quer dizer que ele esteja certo ou errado - apenas que ele já passou por aquela experiência e você não. Então, você reflete, analisa, visualiza as consequências na medida do possível e escolhe: ou faz como a pessoa sugere ou faz diferente dela.
Como a perfeição não é deste mundo, quem erra, agiu para tentar acertar. Também se sabe que não se acerta todo o tempo e, o mais importante, não se erra todo o tempo. Assim, caminhamos para frente, passamos por experiências agradáveis ou não, mas adquirimos uma bagagem tal que a cada momento temos a possibilidade de errarmos menos. Esta é a maneira de crescer; de adquirir a tal maturidade citada no início.
Na fábula, o moleiro faz uso da atitude de agradar a todos. Mas esta atitude leva ao insucesso porque se fundamenta na crença da perfeição e pode levar o indivíduo de encontro à decepção, à adversidade e ao infortúnio.
Outra característica daquele que quer agradar a gregos e troianos é que ele acredita que se fizer o que os outros sugerem, cairá nas graças deles. Na história, ele mudava de atitude de acordo com cada pessoa que ele encontrava pelo caminho e as sugestões de cada um eram diferentes e até muitas vezes incoerentes e opostas umas das outras. O moleiro faz papel de tolo porque ou não sabia realmente como fazer, ou porque não queria ser ridicularizado pela próxima pessoa que encontrava, mas era exatamente o que acontecia. Ao final, caiu em si e fez aquilo que sua realidade interna ditou.
A arte de viver consiste exatamente no equilíbrio das forças: internas e externas. Nesta caminhada pela vida, é óbvio que não desejamos sofrer e buscamos a felicidade, o bem estar, a paz. Todavia para alcançar estas metas dois itens são imprescindíveis: o conhecimento dos outros e do mundo e o conhecimento de si mesmo. Sem isso não há caminhada possível para frente.
Com certeza nesta jornada precisamos ser acolhidos pelo calor dos outros, pela estima das pessoas que respeitamos, pela consideração dos que nos são importantes - do contrário nossa autoestima pode ficar abalada. Mas, como nos lembra Hammed - nós mesmos é que criamos "nossa régua para medirmos os outros." Como disse no início, cada fato que ocorre em nossa vida está intimamente ligado com nossas características de personalidade e isso ocorre também com cada pessoa que cruza nossa existência. Porém, se tivermos este dado em nossas mentes, podemos considerar isoladamente cada um dos elementos de uma dada situação e então, perceber que cada atitude leva a um objetivo e aí fazer a pergunta: "Qual é o objetivo final que quero atingir?" Lógico está que nesta empreitada posso aceitar sugestões de como chegar lá, de pessoas que já trilharam este caminho e fazer minha escolha, e esta pode agradar a uns e desagradar a outros.
A criatura que faz tudo para agradar ao outro, não faz o que quer e muitas vezes, não faz o que deveria fazer. Ela acha que se não fizer de um jeito, não poderá fazer de outro - ela não percebe que, muitas vezes, dá para fazer dos dois modos. Tomemos como exemplo uma pessoa que dá carona a outras duas que vão para a mesma região da cidade. A pessoa que dirige o carro quer ir por um caminho, mas as outras duas pessoas querem, ambas, ir por rotas diferentes uma da outra. Isto pode causar confusão, desentendimento e se não houver uso do bom senso não se chega à local algum mesmo que as três rotas cheguem à mesma região da cidade.
O tipo de pessoa de que falamos aqui é aquela que se caracteriza pelo "culto à linearidade". Acha que tudo na vida é linear e não percebe que harmonia e desarmonia, ordem e desordem, construção e destruição convivem juntas no planeta e que ela mesma é amada e odiada em situações diferentes por pessoas diferentes. Ela não compreende que tudo faz parte da vida. Essas pessoas tendem a dividir o mundo em dois. Essa divisão coloca o mundo como se fosse formada por dois princípios hierárquicos diferentes e opostos. Como se o bem e o mal não fizessem parte do mundo (ainda) em que vivemos. Lembremo-nos de que toda criatura possui defeitos e qualidades/potenciais. Então, elas racionalizam emoções e sentimentos, vivem de forma hierárquica, onde acreditam que a existência humana segue uma escala rígida de valores, de grandeza ou de ordem de importância e dessa maneira, creem que criaturas e criações devem sujeitar-se uns aos outros. Bem, vivem assim por falta de reflexão.
O culto à hierarquia mantém algumas doutrinas que se atém a separar seres superiores e seres inferiores e que os primeiros estão fadados a mandar nos segundos e estes a obedecer os primeiros. Em realidade, a inferioridade e a superioridade dos seres é reconhecida pelas suas atitudes e ideias morais e que, nesse sentido, em nível social, muitos que estão na escala hierárquica superior (sic!) podem ser inferiores moralmente e vice e versa. Mas, no mundo de relações sociais da Terra isto não é claro. Muitas vezes, é bom, honesto, aquele que parecer bom, honesto. Não se analisa o seu mundo interno e, às vezes, nem seus atos e ideias. Mas o homem reflexivo não pode analisar a si mesmo, os outros e o mundo de maneira superficial - deve usar de observação, intuição, buscar inspiração do alto para depois concluir alguma coisa.
Esta fábula demonstra que só podemos e devemos acreditar em nosso julgamento interno porque sempre haverá pessoas que discordem de nossas ações ou condutas.
Aquele que tem coerência na vida é o indivíduo que não adota como verdade absoluta o ponto de vista da maioria e sim aquele que constrói seu próprio julgamento sobre as coisas através de reflexão e avaliação de fatos comprovados. Para ser coerente não se deve aceitar passivamente as ideias alheias e sim colocá-las sob o crivo da razão, perscrutando dúvidas sobre aquilo que todos acreditam costumeiramente. O homem coerente faz reflexões constantes sobre suas próprias ideias, porque sabe que elas não são fatos e que podem ser questionadas. Para criar uma coerência existencial devemos nos habilitar para distinguir valores éticos e estéticos para formar uma opinião pessoal que não seja influenciada por preconceitos, egocentrismo e pela moda social.
Aquele que é coerente busca a lógica e a observação criteriosa porque quer compreender melhor a realidade de si, do outro e do mundo que o cerca.
É impossível agradar a todos. Não importa o que fizermos, deixarmos de fazer, falarmos ou deixarmos de falar, sempre existirá alguém que usará de ironias, ou escárnios quando se referir aos nossos atos e/ou palavras.
Mas quando tomarmos nossas próprias decisões, baseadas em nossa realidade interna, quando recuarmos da crítica, começarmos tudo novamente, quando desobrigarmo-nos da aprovação dos outros e seguirmos em frente, teremos alcançado nossa coerência existencial, e nos sentiremos mais tranquilos, mais serenos para caminhar para frente, de encontro aos nossos objetivos maiores na vida.
Para concluir, Hammed acertadamente afirma que cabe somente a nós viver e desenvolver a nossa vida, vivenciando os acertos e erros que as experiências nos trazem como aprendizado e então determinar o que é melhor para nossa existência.
Boa reflexão e boa semana a todos!
Há muito, pauto minhas decisões de acordo com minha realidade interna. Na dúvida, pergunto. Simples assim...😉
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