Caros amigos leitores,
Hoje postarei mais uma fábula. Antes disso vamos a uma definição: Gaio: ave da família dos corvídeos do tamanho aproximado de uma pomba e de plumagem marrom-avermelhada, com asas e caudas negras.
"Um gaio apoderou das penas que um pavão trocara. Colocou-as em seu corpo e acreditando ser uma bela ave, foi exibir-se entre os outros pavões.
Reconhecido, ei-lo enxotado a bicadas e empurrões violentos. Depenado pelos pavões, ele foge entre vaia estrondosa, corrido, por ludibriar; leva o corpo em carne viva.
Buscando asilo e refúgio entre os gaios, seus iguais, foi repelido a assobios e gargalhadas.
Gaios bípedes eu conheço que não são imaginários; eles usurpam penas alheias e se chamam plagiários.
Mas, cala-te, boca! Não é do meu feitio apontar os impostores! Entre os pavões são notórios os gaios que se apoderam do que não lhes pertence."
No dicionário Aurélio, plágio é ato ou efeito de plagiar; plagiar é imitar obra alheia; assinar ou apresentar como seu, trabalho artístico ou científico de outrem. Entretanto, na área da psicologia, plágio pode também ser interpretado como uma atitude íntima inconsciente. Muitas vezes "querer ser ou parecer o outro", como diz Hammed, pode ser uma característica inconsciente de um indivíduo que tem dificuldade de se autoconhecer, ou até de se aceitar tal como é, então ele imita outros modelos que lhe parecem mais aprazíveis ou até aprovados como bons pelo meio social.
Muitas vezes esses tipos de atitudes são sutis, quase imperceptíveis, onde a intenção do indivíduo não é explícita - nem para ele nem para os que o rodeiam.
Na fábula, o gaio adorna-se com as penas do pavão, porque estas lhe parecem mais belas e as suas penas verdadeiras não têm graça, não chamam a atenção e ele, desta maneira, com as penas alheias, acredita valer mais, ter mais credibilidade e aceitação - mas quando o embuste é descoberto, ele não é aceito nem pelos pavões (é enxotado a bicadas e empurrões violentos), nem pelos gaios (foi repelido a assobios e gargalhadas).
Aquele que observa de longe pode achar que as "penas do pavão" são pura "fantasia", mas em muitas circunstâncias, é mais do que isso - é uma defesa do ego fraco que, temporariamente, preenche uma necessidade ilusória para desejos íntimos não efetivados. O próprio inconsciente cria uma substituição para a satisfação que ele acredita para suprir a realidade, mas em verdade, apenas a mascara. Quanto mais inconsciente de si e do mundo, mais fácil se torna criar esse mundo paralelo ilusório.
Quanto mais ele se conhece, menos necessidade de subterfúgios, mais rápido ele se livra de suas imperfeições, mais paz de espírito para si próprio em qualquer instante de sua vida.
Como sempre, todas as imperfeições que o homem possui têm como origem o orgulho e o egoísmo. Nesta fábula, as coisas não são diferentes. Podemos até perceber também aqui, a vaidade (com as plumas do pavão ele se sente mais bonito), a inveja (quer ser como o pavão, mas também não percebe que há desvantagens em ser pavão - arrastar as penas pesadas ao caminhar e estar sempre num galho mais alto para ter mais conforto, quando está contido num zoológico, por exemplo). A ilusão dele também se encontra no fato de ele acreditar que todos gostam do pavão - nunca lhe passou pela cabeça que talvez muitos possam admirá-lo por sua plumagem marrom-avermelhada e suas asas e caudas negras.
Quando uma pessoa se veste com a personalidade de outra quer ocultar sua própria personalidade; talvez por não aceitá-la como foi dito anteriormente, ou até para alterar uma característica ou manter em segredo uma realidade que ele quer acobertar.
Apesar da globalização, ou até por causa dela, a humanidade tem deixado transparecer claramente seus preconceitos. Quanto mais inconsciente um indivíduo, mais preconceituoso, com mais probabilidade de imitar atitudes alheias que são consideradas aceitas pelo meio social em que ele vive, com mais dificuldade de andar pelas suas próprias pernas, e, portanto, com mais dificuldade de crescer - este indivíduo sofre mais porque não se conhece e, portanto não sabe o que gosta e o que não gosta, tem dificuldade de aceitar o novo, perde oportunidades de aprendizado, é superficial em sua existência pois tem limites em sua capacidade de interiorizar-se. Em suma, o indivíduo que não se conhece, erra muito. Mas ele recebe a todo momento oportunidades para conhecer a si e ao mundo, e só não as aproveita na medida em que mantém em sua personalidade, o orgulho e o egoísmo que embotam sua razão e o fazem cego para a realidade.
Quanto mais inconsciente, mais sofrimento. O indivíduo consciente, por outro lado, compreende que está onde está porque necessita aprender certas lições, tem tolerância e paciência para aguardar a ordem dos acontecimentos, é calmo, tranquilo porque tem fé em Deus, conhece seus potenciais, avalia com critério suas limitações e faz acordo com elas - aproveita as oportunidades para crescer, tornar-se mais forte, mais resiliente; se passa por tribulações e necessidades compreende que tudo é uma questão de tempo e que nenhum sofrimento é eterno, que ele tem um propósito; quando ele o compreende o sofrimento cessa. O indivíduo consciente constrói sua própria personalidade, sua identidade pessoal, sem necessidade de imitar outros, faz análises de si e do mundo com mais profundidade. O indivíduo consciente erra menos; é um indivíduo mais prático, eficiente, vivaz, otimista, com grandes possibilidades de caminhar na vida com mais paz interior. Sua própria autenticidade traz para si um mundo positivo, fazendo com que seu bem estar se espalhe por onde quer que esteja.
Bem, voltemos à nossa fábula - ela nos traz mais reflexões.
Quando admiramos uma pessoa por suas características positivas, existe uma tendência natural a imitá-la. Isso é saudável, principalmente quando conhecemos o resultado positivo de tal imitação e, também quando incorporamos tal atitude à nossa personalidade.
Também é saudável quando tentamos esconder partes negativas de nossa personalidade, aquelas que ainda não conseguimos modificar.
Mas, quando em ambos os casos - imitação de atitudes e ocultação de nossas atitudes menos felizes - há um excesso dessas duas atitudes, esses processos psíquicos podem se tornar sintomas neuróticos e em casos extremos, indicam psicopatias (psicopatia: estado mental patológico caracterizado por desvios, sobretudo caracterológicos, que acarretam comportamentos antissociais).
De volta à nossa fábula, há homens com comportamentos semelhantes aos dos "gaios" - são indivíduos que vivem situações ilusórias, fantasiosas, vestindo-se com a peculiaridade dos outros e transformando-se total ou parcialmente, irrealisticamente, no modelo copiado. Aqui o indivíduo vivencia o imaginário, e ao mesmo tempo, dissimula uma falta interna, de modo consciente ou não. Quando o faz de maneira consciente é porque não aceita suas próprias características, talvez por "vergonha" (outra palavra, aceita socialmente para "orgulho") da mesma não causar impacto positivo nos demais.
Um dos grandes obstáculos ao crescimento é a ilusão. Aqueles que esperam total aceitação de suas ideias na Terra, ou que pretendem agradar a tudo e a todos vivem numa ilusão. Todos somos diferentes, em diferentes degraus de evolução, com ideias diferentes.
Hammed nos traz uma verdade incontestável - "só se vive de fato a partir da própria realidade". Por fora, pode-se até viver acomodando-se às circunstâncias, contemporizando com todos; mas, por dentro, só podemos escutar o Deus que há em nós.
Em psicologia, a árvore é o símbolo do homem. Em muitos testes psicológicos, pede-se ao indivíduo que desenhe uma árvore e ele tem sua personalidade analisada de acordo com o desenho da árvore.
Hammed também traz à baila, a árvore como modelo de homem. Embora as árvores sejam admiradas pela sua aparência exterior: caule, copa frondosa, folhagens verdejantes ou ramos mirrados, exuberância ou não das flores, fragrância suave ou aroma desagradável - sua importância maior está nos frutos - em sua serventia, em sua capacidade de produzi-los - e isso ocorre igualmente com o homem - "por seus frutos os conhecereis..."
Na vida, todos são importantes: os "gaios" e os "pavões" - cada um é chamado a trabalhar e cooperar de acordo com sua singularidade, suas características de personalidade.
Um indivíduo consciente, lúcido e desperto olhará para seu semelhante de maneira intensa - não analisará o outro pelo que o outro parece ser, olhando apenas a parte exterior; mas observará sua aparência interior - analisará sua capacidade de realização e colaboração no bem comum e analisará suas habilidades de expressão no âmbito social, algum propósito de que todos possam se beneficiar.
O indivíduo mais feliz é aquele que vive dentro da realidade, contentando-se com o que é, com o que tem, é aquele que tem consciência do que é no agora, no presente; é aquele que vive o hoje, sem idealizações e expectativas; é aquele que vive a partir de sua essência; que não se submete às convenções confusas do meio social.
Quando o indivíduo vive a partir de sua essência, atinge mais facilmente seus objetivos íntimos e cumpre melhor suas metas de vida. Crenças negativas não nos permitem que desenvolvamos de maneira saudável nossa criatividade.
A vida de cada um de nós é singular - então todos nós temos uma vida valorosa e útil. Acredito que estamos aqui para viver experiências em direção à nossa felicidade e bem estar. Basta nos autoconhecermos e fazermos as escolhas de acordo com esse conhecimento.
Boa semana!