sexta-feira, 28 de outubro de 2022

BUSQUE A INSPIRAÇÃO PARA CRIAR

CICLO DE TEXTOS SOBRE SENSIBILIDADE HUMANA - PARTE 6

Caros amigos,

No dicionário Aurélio, Criar é, entre outras definições, dar princípio a, produzir, inventar, imaginar, suscitar, donde Criatividade é a capacidade de criar algo baseado no já existente.

A criatividade é de grande importância se quisermos modificar, transformar nossas atitudes para obter uma vida mais leve, mais tranquila, mais harmoniosa.

Quando falamos de criatividade temos que compreender que ela é ampla e de múltiplas facetas e variadas escolhas.  Muitas vezes aparece de forma involuntária, quando o indivíduo não faz uso de sua vontade ou até automática, quando o indivíduo faz uso do hábito ao realizar alguma coisa.

Como nossas escolhas estão condicionadas à nossa maneira de perceber a vida, como já foi dito anteriormente, o ato de criar está subordinado à nossa capacidade de associação.  Quando melhoramos nossa habilidade de interconectar as coisas, conseguimos que uma ideia contate outras.  Vale lembrar que desenvolvemos "pensamentos férteis" na medida em que nos conhecemos e descobrimos nossas necessidades e nossos desejos.  Quando analisamos nossos gostos e desgostos e posteriormente refletimos sobre eles, temos a chance de, voluntariamente, criar novos hábitos e, para um melhor equilíbrio existencial, novos hábitos mais saudáveis.

Assim como o autoconhecimento é auto libertador, a criatividade também prospera num ambiente de independência tendo como força propulsora a satisfação, a alegria, o prazer, o contentamento.  Onde haja um ambiente supercrítico, não há liberdade de agir e de pensar.  Há que se ter liberdade para criar.

Fator importante e porque não dizer preponderante deste texto de hoje é a inspiração - o ser criativo mantém forte ligação com a inspiração; ele olha o mundo com grande visão de liberdade interior.  O ser criativo resolve seus conflitos revendo seus valores particulares, buscando novas ideias, reorganizando, desta maneira, sua vida íntima.

No dicionário Aurélio, inspiração é a) qualquer estímulo ao pensamento ou à atividade criadora; b) por extensão, o resultado de uma atividade inspiradora; c) pessoa ou coisa que inspira; inspirador.

Quando o indivíduo está amadurecido espiritualmente, como sabe que é portador de uma faculdade extra-sensorial, sabe também que existem muitos modos de evoluir e viver no planeta; por conseguinte, ele também sabe que seu jeito de ser é único, assim como cada pessoa é única em sua personalidade.  Por isso, esse indivíduo que tem maturidade espiritual, está prestando atenção constante à lições particulares que a vida apresenta para que ele possa desenvolver-se e, portanto, progredir.  Ele que é um ser inspirado entende que não sabe as respostas para todos os conflitos que sua existência apresenta.

Bem, se não somos esse ser inspirado, amadurecido espiritualmente, o que podemos fazer para nos tornarmos um? Uma boa dica é procurar abordar a vida com os olhos de uma criança, não no sentido literal, infantilizado, ingênuo, mas de uma maneira livre , usando a imaginação, buscando trazer ao espírito uma personalidade imaculada, ainda não influenciada por normas e regras rígidas e preconceituosas da sociedade.

Talvez Jesus, em sua frase "Deixai vir a mim as criancinhas", quis falar da pureza de coração, da naturalidade, da sinceridade, qualidades essas dos infantes ainda não imersos nos conflitos sociais.  No período da infância ocorre o auge da espontaneidade da criatura - um dos campos propícios para a inspiração ou criatividade.

Nós, quando nos tornamos adultos, nos esquecemos dessa fase inicial de nossa vida, fase das perguntas, dos "porquês", da reflexão.  Preocupados com nossos afazeres, nosso trabalho, nossos deveres como pais, tios, filhos, profissionais, cidadãos, nos esquecemos de olhar o mundo como ele se nos apresenta, esquecemos de que um dia já fomos crianças e já usamos de nossa imaginação para interagir com os outros, com as coisas, com as situações.  Busquemos dentro de nós essa criança ávida por conhecer lugares novos, pessoas novas, novas situações.  A imaginação, a criatividade nos auxiliam a descobrir dentro de nós as respostas para nossos conflitos existenciais e assim, reencontrar o caminho perdido em direção aos nossos objetivos, conquistando uma vida mais plena de vitalidade e paz interior.

As lições da natureza no dia-a-dia nos ensinam que a "Voz de Deus" em nosso interior é a fonte inesgotável de toda criatividade e que, muitas vezes, esse diálogo acontece dentro de nós, através da linguagem da sensibilidade e do amor.

Se tratarmos nossa vida como uma grande aventura, sabendo que ela pode trazer riscos, obstáculos, dificuldades, com certeza ao final, acharemos aquele tesouro escondido no recôndito de nosso ser, lugar onde sempre esteve, mas que Deus deu-nos a oportunidade de descobrirmos por nós mesmos, pois Ele sabe que nossa satisfação e nossa sensação de bem-estar seriam mais plenas.

Boa semana!







quarta-feira, 12 de outubro de 2022

O MEDO

 Caros amigos,

"...o ser humano é, na verdade, um aglomerado de substância viva, uma imensa colônia celular, mas nela se observam, além das atividades próprias da vida "elementar" de cada uma de suas micro partes, outras - globais, individuais, inter e supra celulares ou pessoais - que lhe imprimem um peculiar modo de viver e comportar-se, assegurando não só sua sobrevivência no espaço e no tempo, como sua expansão e transcendência em outro plano, mais recente: o plano super pessoal ou social." Emilio Mira y López

O texto de hoje foi me sugerido por uma palestra que assisti há uns quinze dias atrás sobre o medo.  No dicionário Aurélio medo é: 1. Sentimento de viva inquietação ante a noção dum perigo real ou imaginário, de uma ameaça; susto, pavor, temor, terror. 2. Receio.

Nos dois anos da "pandemia", esse sentimento esteve presente em muitas pessoas.  Os meios de comunicação foram, em parte, responsáveis pela onda de "pânico" que se espalhou pelo planeta - as autoridades governamentais também deram sua contribuição para esse evento - entretanto, ao meu ver, a maioria das pessoas acometidas do medo foram aquelas fragilizadas por sua insegurança interior.  Além da insegurança outros fatores foram responsáveis - a falta de fé, o reconhecimento da própria finitude - não houve apenas medo de perder a vida, mas o medo de perder pais, parentes, amigos - todos estiveram frente a frente com a morte, como se ela não fosse natural, como se esse não fosse o fim de todos nós.  Porém, mesmo aqueles que estavam razoavelmente conscientes desta etapa da vida não gostariam de saber que talvez sua hora tivesse chegado - o medo juntou-se à tristeza daqueles que não queriam deixar essa existência.  Mesmo as pessoas que acreditavam/acreditam numa vida após a morte sentiram o tal do medo.

Agora que o fantasma da doença dita mortal foi afastado, a vida tenta voltar ao "normal" - mas para muitos esse normal não é mais o mesmo.  Nesses dois anos muitas perdas ocorreram - vidas, bens materiais, lares desfeitos, sequelas da epidemia, não somente devido ao contágio com a doença, mas sequelas do medo.

Atualmente existe em nosso país (mas acredito que em outros países o mesmo esteja ocorrendo) o medo de quem irá "ganhar" as eleições presidenciais - cada um, ao seu modo, luta para que seu candidato seja o vencedor e também acredita que ele trará um "novo" Brasil - mal imaginam que, se cada pessoa não fizer a sua parte na rede da sociedade, o "novo" Brasil não acontecerá.

Os dois anos do "fique em casa" tolheram a liberdade de todos mas, trouxeram a oportunidade da reflexão, da interiorização, de questões tais como "o que estou fazendo com minha vida?" "qual o meu papel em minha família, na sociedade?" "quem sou eu?" "o que gosto de fazer?" "o que não gosto de fazer?" "o que pretendo fazer do meu presente para melhorar o meu futuro?"

Assim, aqueles que aproveitaram a reclusão para essa prática, hoje se encaminham melhor para seus próprios objetivos, podendo trazer benfeitorias para si mesmos e para aqueles que vivem perto deles, podendo, em larga escala, trazer benefícios a todos.  Entretanto, existem os que ficaram na retaguarda, com medo, como que aguardando uma nova catástrofe, sem confiança no futuro, e não vivendo, apenas vegetando - com medo de viver.

Hammed em seu livro "As dores da alma" afirma: " O resultado do medo em nossas vidas será a perda do nosso poder de pensar e agir com espontaneidade." Isso ficou bastante claro durante a pandemia e hoje, aos poucos se dilui, mas devido a tal da "polarização" na área política essa característica está crescendo - hoje muitas pessoas têm receio/medo de expressarem suas preferências não somente políticas, mas preferências sobre outros aspectos da vida.

Alguém já disse "dividir para governar" é o ideal de poder de um governante - e nessa hora, sempre me pergunto: qual é a vantagem, o benefício e a dignidade de governar para cidadãos que estão eternamente em luta, em conflito? O governante sábio, para mim, é aquele que pode administrar o povo quando este está satisfeito, livre e em paz - onde cada cidadão pode crescer, evoluir, caminhando em direção aos seus objetivos, enfrentando desafios da melhor maneira possível.

Então, como sair da "zona" do medo?

O medo pode andar de mãos dadas com o desconhecido - geralmente temos medo daquilo que não conhecemos.  Nos casos citados - pandemia e resultado das eleições - até podemos dizer que são circunstâncias conhecidas.  Mira y López em seu livro "Quatro gigantes da alma" traz alguns antídotos contra o medo, ou melhor, como sair dele, livrar-se dele, uma vez que ele já se tornou parte da vida:

-identificação do objeto e causa do medo;

- seleção das armas para combatê-lo;

- analisar os motivos da vulnerabilidade à ele;

- observar deficiências de : alimentação, sono, temperatura, líquidos, repouso, lazer, etc.;

- adotar: normas de higiene, dietéticas, ginásticas, ou medicamentosas adequadas aos casos do item anterior;

-agir para aumentar a confiança em si;

- resolver, responder as perguntas: "Quem sou eu?" "Que valho?" "Quais são minhas possibilidades de ação?" ;

- decidir o que irá fazer na realidade, baseado no que lhe agrada e no que deve fazer.

Essas medidas, em minha opinião, podem ser o início de um auto tratamento para lidar com nossos medos internos.  Eu incluiria o cultivo da arte - música, dança, pintura, cinema, leitura - são práticas que nos afastam do pessimismo e nos preenchem de bem estar e espiritualidade.

Joanna de Ângelis em seu livro "Conflitos Existenciais" afirma que "A grande terapia para todos os tipos de medo é a do amor.  O amor a si mesmo, ao seu próximo e a Deus."

Transcrevo aqui sua explanação sobre esse amor a si mesmo, ao próximo e a Deus:

"A si mesmo, de forma respeitosa e racional, considerando a utilidade da existência e o que a vida espera de cada um, desde que todos somente esperam da vida a sua contribuição.  Quando diminuam ou desapareçam as doações que a vida oferece, chega o momento da retribuição, no qual é preciso que se lhe dê sustentação, harmonia para que o melhor possa acontecer em relação aos demais."

"Nesse raciocínio a doação expressa-se o amor ao próximo, mediante o qual a vida adquire sentido e o relacionamento se vitaliza; porque centrado no interesse pelo bem-estar do outro, irradia-se bondade e ternura em seu benefício, sem o propósito negocista de receber-se compensação."

"Esse intercâmbio que une as criaturas umas às outras, leva-as à afeição pela Natureza e por todas as formas vivas ou não, alcançando o excelente amor a Deus, no esforço de preservação de tudo."

Hoje, desejo a todos uma boa semana e um bom trabalho de introspecção!




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terça-feira, 4 de outubro de 2022

MECANISMOS DE DEFESA - CICLOS DE TEXTOS SOBRE SENSIBILIDADE HUMANA - PARTE 5

Caros amigos leitores,

Hoje falaremos sobre a importância do conhecimento de nossos sentimentos e emoções.  Para este aprofundamento, vejamos as definições dessas duas palavras, de acordo com o dicionário Aurélio:

Sentimento: 1. Ato ou efeito de sentir (-se); 2. Faculdade de conhecer, perceber, apreciar, percepção, noção, senso; 3. Disposição afetiva em relação às coisas de ordem moral ou intelectual.

Sentimentos: 1. O conjunto das qualidades morais do indivíduo.

Emoção: 1. Ato de mover (moralmente); 2. Abalo moral, comoção.

Todas as vezes que uma situação se nos apresenta temos uma emoção frente a ela, que por sua vez traduz um sentimento e este nada mais é que o reflexo de nossa história de vida, ou seja, nossas experiências passadas, nossa busca de sentido na vida presente e a construção de nosso potencial futuro.

Cada vez que sentimos  alguma coisa, essa sensação nos mostrará uma característica de nossa personalidade.  Novamente falamos aqui do autoconhecimento.  Então, frente a um sentimento não podemos nos intimidar ou fingir que não o estamos percebendo - ao contrário devemos deixá-lo simplesmente FLUIR. Qualquer julgamento precipitado poderá distorcer o aprendizado do mesmo.  Como vamos realmente realizar mudanças em nossos comportamentos ou atitudes, isto é, em nossa personalidade, se não queremos saber quem somos nem quando estamos "a sós" com nós mesmos, no recôndito de nossos seres?

Freud enumerou mecanismos de defesa que usamos quando não queremos ou não conseguimos aceitar algumas características em nossas personalidades.  Esses mecanismos, como a palavra já diz, "defendem" o ego da ansiedade de ter que enfrentar os obstáculos e percalços da existência.  Eles são úteis temporariamente, quando ainda não temos bagagem suficiente para enfrentar a viagem da vida.  Porém, eles são um obstáculo ao crescimento, uma vez que aquilo que não quero ver, também não posso mudar.

Rapidamente vamos citar alguns que nos interessam aqui e defini-los para compreendê-los.  São eles: Repressão, Negação, Racionalização e Projeção.

Repressão: Para não entrar em contato com a realidade tanto externa quanto interna, com esse mecanismo o indivíduo evita a realidade.  Esse mecanismo afasta da consciência uma ideia, evento ou percepção que possa provocar ansiedade e com isso torna-se impossível uma solução.  Mas, os elementos reprimidos continuam a fazer parte do indivíduo.  Exemplos temos de repressão, algumas doenças psicossomáticas, tais como asma, artrite, úlcera, etc.  Há também a possibilidade de um cansaço excessivo, uma vez que o indivíduo gasta energia para reprimir o que não quer ver.  Não seria mais útil e producente usar esta energia para autoconhecimento para mudar padrões de comportamento que estão trazendo sofrimento?

Negação: Neste mecanismo o indivíduo simplesmente exclui a realidade.  A negação é a tentativa de não aceitar na realidade um fato que o perturba.  Um exemplo desse mecanismo é quando uma pessoa vai contar um acontecimento, recorda dos fatos de forma vívida, entretanto depois mais tarde pode lembrar-se do incidente de forma diferente e pode dar-se conta de que a primeira vez que contara o fato estava usando da construção defensiva, ou seja, negava as características do mesmo.

Racionalização: Na racionalização o indivíduo redefine a realidade - é o processo de encontrar motivos aceitáveis para pensamentos e ações inaceitáveis.  As seguintes afirmações podem ser consideradas exemplos de racionalizações; as afirmações entre parênteses são as possíveis razões não expressas:

1. "Eu só estou fazendo isto para o seu próprio bem." (Eu quero fazer isto para você.  Eu não quero que me façam isto.  Eu até mesmo quero que você sofra um pouco).

2. "O experimento foi uma continuação lógica do meu trabalho anterior." (Eu comecei com um erro, mas tive sorte quanto ao fato dele ter dado certo).

3. "Eu acho que estou apaixonado por você." (Estou "ligado" no teu corpo, quero que você relaxe e se "ligue" no meu).

Projeção: Com este mecanismo de defesa, o indivíduo "coloca" sentimentos internos no mundo externo.  Esse mecanismo já foi visto em textos anteriores.  Quando critico o outro numa característica que me incomoda é porque também tenho esta característica em mim, mas não a reconheço como minha.  Para características positivas isto também é válido.  Quando elogio ou admiro exageradamente uma característica alheia é porque eu também a possuo, mas não a percebo ou a aceito como fazendo parte de minha personalidade.

Como foi dito antes, esses mecanismos podem e devem, em algumas circunstâncias e com alguns indivíduos, fazer parte de suas vidas.  Entretanto, com o conhecimento de si e do mundo que o cerca, e com a maturidade espiritual, não há mais necessidade de fazer uso deles.

Como a causa de tudo está dentro e não fora de nós, quando conhecemos os verdadeiros motivos de tudo que impele nossas ações, temos como dirigir nossos sentimentos, conseguindo vislumbrar o que é certo fazer e assim decidindo o que é melhor para nosso crescimento interior.

Quando alguém não percebe claramente os sentimentos que antecedem suas ações, altera sua percepção das pessoas e situações, porque está preso num quarto escuro de sua "casa mental" - lá onde forças envolventes o enredam, tirando o comando da vida de suas mãos.

Para que isso não ocorra, devemos fazer de nossos sentidos, nossos aliados, pois que são guias de interpretação de nossa vida interior.

O desconhecimento de nós mesmos nos leva a uma abundância de comportamentos, e, por conseguinte, a uma confusão de "eus" incoerentes.

Mas, devemos nos animar e nos alegrar porque nossos "sentimentos inadequados" são nossos grandes mestres.  Quando temos uma conduta invejosa numa determinada situação, podemos transformá-la em atitude oposta, ou seja, a admiração.  Tudo são uma questão de oportunidade, percepção, vontade e disciplina - a oportunidade Deus nos concede, a percepção que a busquemos com discernimento, e, a vontade e a disciplina que nos habituemos a elas para realizar nossa caminhada ascensional com mais facilidade e consciência.

A conduta invejosa pode nos oferecer uma grande oportunidade para o crescimento íntimo e uma vida mais madura social e espiritualmente.

Os enganos do passado podem se transformar nas virtudes do presente e, se hoje ainda falhamos com disciplina, vontade e conscientização, no futuro, provavelmente, acertaremos.

O texto acabou saindo longo e denso, mas espero que tenham entendido o básico.  Para compreendermos melhor a sensibilidade humana, esses mecanismos são de uma grande ajuda.  A pergunta que fica no ar é: para que preciso de autoconhecimento? Para ter uma vida mais leve, mais tranquila e com a sensação de estar realizando o melhor que posso para caminhar em direção à felicidade e ao objetivo almejado.

Boa reflexão e boa semana!

Até!













 






 

sábado, 1 de outubro de 2022

"AS CIDADES E AS SERRAS"

Amigos leitores,

O livro do mês de setembro em nosso clube de leitura foi "A Cidade e as Serras" de Eça de Queirós. O livro foi escrito em 1901.  O enredo é bastante interessante e consegue levar o leitor a sentir as mesmas sensações de um  dos personagens - são praticamente apenas dois personagens marcantes, amigos de longa data - o narrador José Fernandes e o seu amigo Jacinto.

A primeira parte do livro é passada em Paris, no fim do século XIX.  Nesse contexto acontece a vida na cidade, primeiro item do título.  Essa parte é deveras entediante, onde há a descrição do casarão onde mora Jacinto. José Fernandes vai ficar uns dias com ele, pois este mora nas serras do título, uma região campestre em Portugal, na cidade de Guiães.  O idioma do livro está em português de Portugal e há, nessa primeira parte, muitas palavras difíceis e também expressões usadas em Portugal, mas felizmente, o livro que li, da Editora Martin Claret, possui um glossário, no rodapé de cada página, das palavras não usuais para nós brasileiros podermos compreender (e são, realmente, muitas palavras).  Algumas pessoas do grupo pararam de ler pela chatice dessa parte.  O mais interessante para quem leu o livro na íntegra como eu, é perceber claramente a diferença da vida na cidade e da vida nas serras.  

O personagem Jacinto que vivia em Paris, nesse casarão, com todas as facilidades de uma cidade grande, com muitos aparelhos facilitadores da vida (como os temos hoje), inclusive aparelhos fictícios, pois nessa época muita coisa nem existia - tais como: fonógrafo, conferençofone, teatrofone; também haviam utensílios estranhos na cozinha.

Os dois amigos conversam bastante, são muito cultos, citam muitos personagens históricos de várias vertentes.  Mas Jacinto repete muitas vezes a sentença: "Eis a civilização!" Ele aprecia ter tudo do bom e do melhor em casa - era rico, um fidalgo - mas o tédio o acompanhava - como disse um personagem: "Ele sofre de fartura", "tédio da riqueza" -e esse tédio acompanhava também a nós, os leitores. Há muitas partes engraçadas, pois o absurdo do excesso de coisas nessa casa alucina.

Para aqueles que conseguiram passar pela história na cidade, a segunda parte do livro - as serras - se encanta.  A descrição do campo, das árvores, das flores, das cores, do clima, da casa é magnífica.  Jacinto possuía uma Quinta nas serras de Portugal, na cidade de Tormes, perto de Guiães.  Jacinto, de início, ressente-se por estar no campo, mas depois de um tempo, a vida nas serras levanta o seu ânimo e nós leitores também nos embevecemos com esse local.  A descrição acaba passando para nós um lirismo e romantismo muito esperado.  Nós, leitores, e Jacinto começamos a respirar um ar mais puro, apreciamos a beleza da natureza, os astros no céu e até o clima (embora muitas vezes, chuvoso) - é um bálsamo.

Jacinto renasce para a vida.  Numa passagem, ele comenta com José Fernandes: "Na natureza nunca eu descobriria um contorno feio ou repetido! Nunca duas folhas de hera, que, na verdura ou recorte, se assemelhassem! Na cidade, pelo contrário, cada casa repete servilmente a outra casa; todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação; as ideias têm todas o mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como as libras; e até o que há mais pessoal e íntimo, a ilusão, é em todos idêntica, e todos a respiram, e todos se perdem nela como no mesmo nevoeiro... A mesmice - eis o horror das cidades!"

Numa outra passagem ele descobre sobre o pessimismo: "o pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da vida; portanto lhe tira o caráter pungente de uma injustiça especial, cometida contra o sofredor por um destino inimigo e faccioso! Realmente nosso mal sobretudo nos amarga quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho - porque nos sentimos escolhidos e destacados para a infelicidade, podendo, como ele, ter nascido para a fortuna.  Quem se queixaria de ser coxo - se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem e borrasca de um inverno especial, organizado nos céus para o envolver a ele unicamente - enquanto em redor toda a humanidade se movesse na luminosa benignidade de uma primavera?... o pessimismo é excelente para os inertes, porque atenua o desgracioso delito da inércia."

"A Cidade e as Serras" foi um dos últimos livros de Eça de Queirós.  Ele formou-se em advocacia em Coimbra; trabalhou como diplomata, cônsul na Inglaterra, em Newcastle e depois em Bristol, e também foi cônsul em Paris, nas Antilhas Espanholas e em Cuba.  Depois de consagrado como escritor escrevia para vários jornais portugueses e brasileiros.

No livro "As Cidades e as Serras" Eça de Queirós louva a natureza e a vida simples, dando a entender que a civilização e o progresso técnico são empecilhos à felicidade.  Em realidade, também sou de opinião que o homem vive melhor se estiver em contato com a natureza.  O Editor aponta o livro como "uma sátira dos progressos ainda canhestros dos tempos modernos e reencontro do romancista com a paisagem de sua meninice.  Vê-se também aí, no jogo dos contrastes, o apego nostálgico à essencialidade honesta da vida ainda natural e limpa do interior."

Um dos componentes do clube de leitura fez a seguinte comparação da imagem sonora da prosa de Eça de Queirós com a de Machado de Assis: "Os dois são da língua portuguesa, então dá para comparar, o que não acontece com os estrangeiros, pois neste caso os livros são traduzidos.  Observar que a página impressa funciona como uma partitura de uma música, cabendo variações do modo de interpretar no sentido da sonoplastia, o que não é possível nas traduções que quando bem feitas podem trazer a imagem visual, o clima psicológico, etc. mas não a sonoplastia." Ele quis dizer do som das palavras, ou seja, a imagem sonora quando lemos o livro em voz alta ou as palavras no nosso pensamento ao ler o livro.  Quer dizer, se formos ler esse livro em voz alta, perceberíamos através das palavras escolhidas pelo escritor,  a "chatice" da parte da cidade e o lirismo da vida bucólica nas serras. A dita comparação entre o escritor brasileiro e o português é que o brasileiro tem uma escrita menos marcante, usa palavras mais simples e com isso, muitas vezes, não sentimos a profundidade do texto, ao passo que ao ler o escritor português, nos enriquecemos com sua descrição dos locais, tornando a nossa leitura mais agradável.

Eu recomendo a sua leitura e desejo uma dose de boa vontade com a leitura da primeira parte na cidade e o deleite ao ler a segunda parte no campo.  É como se alimentar de algo não tão gostoso mas necessário e depois deliciar-se com a sobremesa.

Boa semana pessoal!






VISITA A SÃO PAULO

Caros leitores, Este ano, em nossa ida para Sampa para visitar amigos que lá deixamos, visitamos 15 pessoas.  O ano passado ficamos 6 dias e...