Caros leitores,
O texto de hoje é de autoria de J.Tucón.
"Eu tenho um sonho..." Martin Luther King Jr.
Estava eu a bebericar meu café na padaria do bairro quando um tipo se aproximou da minha mesa e me disse ansioso:
- Poderia falar um pouco com o senhor?
- Claro! - respondi - Sente-se, por favor.
Aí comecei a reparar nele. Tratava-se de um homem aparentando estar na faixa dos setenta anos, elegantemente trajado, elegante demais para aquele lugar.
- Bem, primeiro vou me apresentar. Chamo-me Emmanuel K. Jr.
- Muito prazer, sou J.Tucón.
- Desculpe-me interromper o seu café desta maneira, mas ocorre que estou muito ansioso.
- E por que está assim?
- Por causa de um sonho que tive.
- Então nada lhe resta a não ser relatá-lo.
- Posso começar?
- Claro! Vá em frente!
- Bem, tudo começou quando eu e minha esposa, Sandra H.K. resolvemos passar alguns dias nos Estados Unidos. Compramos um par de passagens de ida e volta, isto faz uns seis meses.
- Desculpe-me interromper: compraram de fato?
- Sim.
- Prossiga, por favor.
- Nós moramos aqui em Curitiba. Daí que temos que nos deslocar até São Paulo para pegar o avião até Dallas.
- E?
- E daí que temos opiniões diferentes de como ir a São Paulo: ela quer ir de avião e eu de ônibus.
- Chegaram a um acordo?
- Sim, compramos as passagens de avião para São Paulo.
- Bem, e o sonho?
- Bem, é aí que tudo começa. No sonho já estamos a bordo aqui em Curitiba, com o avião pronto para partir quando surge um funcionário da companhia que expõe aos passageiros que foi vendida uma passagem a mais de última hora e que um dos passageiros terá que desembarcar. Pediu que alguém se apresentasse de forma voluntária.
O silêncio tomou conta da cabine.
Talvez tenham passado uns dois minutos.
Não podendo se conter, o funcionário disse que a companhia escolheria algum idoso que estivesse viajando sozinho e que essa pessoa teria que desembarcar e que lhe seriam dados hotel, restaurante e uma nova passagem.
A cabine permaneceu em silêncio.
- A questão é: por que dar preferência a um passageiro de última hora?
- Não sei dizer, Sr. Tucón. Sei que chamam a isso de "overbooking": vender mais lugares do que os disponíveis.
- Estelionato mudou de nome!
Prosseguindo o sonho: o funcionário leu o nome do passageiro "eleito": Emmanuel K.Jr.
Embora tivesse levado um choque, permaneci em silêncio, assim como toda a cabine.
- Emmanuel K. Jr! - disse ele novamente.
O silêncio persistiu.
E assim permaneceu.
- O sistema sabe onde o Sr. está sentado, Emmanuel. Por favor, levante-se e deixe a aeronave!
Permaneci sentado e em silêncio.
Assim também toda a cabine.
O funcionário fala algumas palavras num celular e se retira.
O silêncio continua.
Daí a pouco o funcionário volta acompanhado de dois policiais que se dirigem ao local onde eu estava sentado. Minha esposa intervém e diz que somos casados e estamos viajando juntos e que tudo não passa de um erro.
O funcionário retruca histérico:
- O último nome dele é Júnior e o último nome da senhora é K. Não me venha com essa! Mentir é feio, madame!
- Quer dizer: o analfabetismo venceu mesmo!
Mas, voltando ao sonho: como eu estava viajando com passaporte estrangeiro, disse: Sandra, procure o consulado para resolver isso!
E fui conduzido ao posto policial.
Lá, fui acusado de fomentar a desordem e o tumulto.
Queriam me tirar o passaporte estrangeiro mas, o advogado do consulado chegou a tempo e eu fui posto em liberdade.
- Tem mais?
- Tem sim, Sr. Tucón.
- Prossiga, então.
O sonho prossegue com meu advogado particular entrando com um processo contra a companhia aérea. Fui extremamente bem sucedido. Ganhei uma indenização realmente milionária. Mas, o que estranhei foi a atitude do meu advogado.
- O que ele fez?
- Não foi o que ele fez, mas o que ele disse.
- Continue, por favor.
- Vitória de Pirro, Emmanuel.
- Por que diz isso? - retruquei.
- Não nego de jeito nenhum que você esteja coberto de razão. Você recebeu uma indenização milionária; eu recebi honorários, como se diz, polpudos. Mas, e daí? Tudo se resolve com uma indenização? Onde estão as punições às pessoas que o maltrataram? Parece que a indenização cobre uma multidão de crimes...
- Termine!
- Já terminei.
- Sente-se menos ansioso?
- Não sabe como!
- Então é minha vez...
- Diga, Sr. Tucón.
- O que eu quero saber é: o silêncio sepulcral em que a cabine esteve mergulhada durante todo esse episódio, o que é? Solidariedade ou Submissão?
Boa Semana, pessoal!