quinta-feira, 29 de abril de 2021

SEJA PRECISO NO QUE DIZ

Caros amigos leitores, 

Hoje será a vez da décima regra de Jordan B. Peterson: "Seja preciso no que diz."

Para explicar melhor essa regra, Peterson faz uso de dois exemplos, os quais parecem não ter nada a ver com a mesma.

Imaginemos um casal de meia idade, lá pela casa dos cinquenta anos (nem sei se essa idade é considerada meia idade, entretanto acredito que deva ser, visto que a raça humana já está vivendo até os 100 anos).  A vida deles é aparentemente boa, sem grandes problemas ou desafios a enfrentar.  Repentinamente, a esposa leal, sincera é confrontada com a evidência da infidelidade de seu marido.

Um dia ela o vê numa cafeteria no centro da cidade com outra mulher, interagindo com ela de uma maneira difícil de ignorar e racionalizar.  Ela, a esposa, viveu ao lado do marido por longos anos - ela o via como ela achava que ele era: confiável, trabalhador, amoroso, dependente.  Em seu casamento, ela se portava como uma rocha, ou assim ela o acreditava.  Mas ela havia percebido que ele, ultimamente,  tornou-se menos atencioso e mais distraído.  Ele começou, como clichê, a ficar no escritório mais tempo.  Pequenas coisas que ela dizia ou fazia o irritavam injustificadamente.  Quando ela o viu na cafeteria, as limitações e os equívocos de suas percepções tornaram-se imediata e dolorosamente óbvias.

A teoria anterior sobre seu marido entra em colapso.  Primeiramente, ela entende seu marido como um complexo e aterrorizante estranho. Mas essa é só a metade do problema.  Sua teoria sobre ela mesma também entra em colapso - ela também torna-se uma estranha para ela mesma.  Seu marido não é quem ela pensou que ele fosse - mas ela tampouco o é.  Ela não é mais a bem amada, esposa segura e parceira valorosa - talvez ela nunca o  tivesse sido.

Então, ela começa a se fazer algumas perguntas: ela deve se ver como uma vítima ou como uma co-conspiradora partilhando de uma ilusão? Seu esposo é o quê? Um amante insatisfeito? Um mentiroso psicopata? O próprio demônio em pessoa? Como ele pode ser tão cruel? O que significa esse lar em que ela tem vivido? Como ela pode ser tão ingênua? Ela se olha no espelho.  Quem é ela? O que está acontecendo? Alguns de seus relacionamentos são reais? Alguns deles do passado foram reais? O que aconteceu com o futuro?

Deixemos essa história um pouco de lado e vamos ao segundo exemplo - é sobre uma história infantil de Jack Kent chamada "Não existe essa coisa de dragão!" (em tradução livre).  O conto parece muito simples na superfície, mas tem um significado simbólico profundo.

Um menininho chamado Billy Bixbee, numa manhã visualiza um dragão sentado em sua cama.  Ele é do tamanho de um gato e é bem amigável.  Billy conta para a mãe e ela diz que não existe essa coisa de dragão. 

Então, o dragão come todas as panquecas de Billy e começa a crescer.  Logo ele cresce tanto que preenche todos os espaços da casa.  Sua mãe tentava  passar o aspirador e o fazia com dificuldade porque tinha que entrar e sair pela janela da casa para fazer esse serviço, porque o dragão ocupava praticamente todos os espaços.  Ela demorava muito para fazer isso.  Então, o dragão fugiu levando a casa junto. 

O pai de Billy veio para casa após o trabalho e encontrou um espaço vazio no lugar da casa.  O carteiro contou à ele para onde a casa tinha ido.  Então, ele vai atrás da casa e, quando a encontra, sobe pela cabeça e pescoço do dragão que estavam esparramados pela rua e se reúne à sua esposa e filho.  A mãe continua insistindo que o dragão não existe, mas Billy insiste: "Mãe, há um dragão."

Instantaneamente,  o dragão começa a encolher.  Então ele está do tamanho de um gato novamente.  Aí todo mundo acredita que um dragão desse tamanho existe e que é preferível do que se fosse gigantesco.  A mãe então tentou entender porque ele ficou tão grande.  Billy sugere:  "Talvez ele quisesse ser notado."

A história do dragão traz, praticamente, a explicação para o primeiro exemplo, o da esposa traída.  Tudo o que se sente, os problemas de um relacionamento, de uma casa, é varrido para debaixo do tapete, onde o dragão se delicia com as migalhas.  Mas ninguém fala nada  quando a ordem da casa/do relacionamento se revela inadequada ou em processo de desintegração, em face do inesperado e do ameaçador.  Entretanto, Peterson afirma que "a comunicação entre as pessoas requer a admissão de terríveis emoções: ressentimento, terror, solidão, desespero, ciúme, frustração, ódio, tédio.  Momento a momento é fácil manter a paz.  Mas, por trás da fachada, na casa de Billy Bixbee, ou em qualquer outra casa como a dele, o dragão cresce.  Um dia ele explode de uma forma que ninguém consegue ignorar.  Ele arranca a casa de suas fundações.  Todas as trezentas mil questões não respondidas, as mentiras sobre elas, que foram evitadas, racionalizadas, escondidas como um exército de esqueletos num grande e medonho armário, irrompem como um dilúvio, inundando tudo. Não há uma arca porque ninguém construiu uma, embora todos sentiram que a tormenta estava se formando."

"Nunca subestime o poder destrutivo da omissão."

"E se a esposa traída tivesse continuamente e com honestidade conversado sobre os conflitos no momento em que eles apareceram, à serviço de uma verdade e paz duradouras? E se ela tivesse tratado os micro colapsos de seu casamento como evidência aparente de uma instabilidade eminentemente digna de atenção, ao invés de ignorá-los? E se os tivesse submetidos à consideração? Talvez hoje ela seria diferente e seu marido também.  Talvez ela ainda estivesse bem casada, formalmente e em espírito.  Talvez eles fossem mais jovens, fisicamente e mentalmente, do que eles são hoje.  Talvez a casa tivesse sido construída mais sobre uma rocha e menos sobre a areia."

"Quando as coisas desmoronam, e o caos emerge, podemos sustentar as estruturas e estabelecer  a ordem, através da conversação.  Se falarmos com precisão e cuidado, podemos ordená-las e repará-las, colocá-las em seu devido lugar, delinear uma nova meta, e ir de encontro à ela - se negociarmos, chegaremos à um lugar comum, quando alcançarmos um consenso.  Mas, se falarmos sem cuidado e de uma maneira imprecisa, as coisas permanecerão vagas."

"Não esconda dragões bebês debaixo do tapete.  Eles crescerão - ficarão grandes no escuro.  Então, quando você menos esperar, eles pularão de debaixo do tapete e te devorarão."

"Quando você decide ter uma conversa com alguém, você precisa definir o tópico da mesma, principalmente se ela for difícil - senão ela se torna uma conversa ampla, sobre vários assuntos e conversar sobre tudo é muita coisa.  Talvez esse seja o motivo do porquê muitos casais pararem de se comunicar.  Cada argumento degenera em todos os problemas do passado sobre o problema que existe hoje e tudo de terrível que pode acontecer no futuro.  Ninguém discute sobre tudo.  Ao invés disso, você pode dizer por exemplo: "Essa é a situação que está me deixando infeliz. Isso é o que quero como uma alternativa, embora estou aberto para sugestões, se forem específicas.  É isso que posso ceder para parar de fazer com que nossa vida se torne miserável."

Na minha opinião, esse tipo de conversação pode ser realizado por quaisquer pessoas, tais como familiares, amigos, colegas de trabalho, colegas de escola, de esporte, de faculdade, etc.

"Você deve usar de honestidade e precisão em sua fala.  Se, ao invés disso, você se encolher e se esconder, o que você está escondendo , transformar-se-á num gigantesco dragão que se oculta embaixo de sua cama, na floresta e nos recônditos escuros de sua mente - e ele o devorará."

Peterson conclui, dando boas dicas para refletirmos:

"Você deve determinar onde você tem estado em sua vida, para poder saber onde você está agora.  Se você não sabe onde está, precisamente, então você pode estar em qualquer lugar.  Qualquer lugar pode ser muitos lugares para estar, e alguns desses lugares são muito ruins."

"Você deve determinar aonde você está indo na sua vida, porque você não conseguirá chegar lá ao menos que você se mova naquela direção.  Caminhar aleatoriamente não vai movê-lo para frente.  Ao contrário, te desapontará e te frustrará; te deixará ansioso e infeliz com dificuldades para lidar com a vida (e depois ressentido, vingativo e até pior)."

"Diga o que você quer dizer, assim você mesmo poderá descobrir o seu propósito.  Aja de acordo com o que você diz, assim poderá descobrir o que acontece.  Então, aí preste atenção.  Perceba seus erros.  Articule-os.  Esforce-se em corrigi-los.  É desta maneira que você descobre o significado de sua vida.  Essa atitude o protegerá da tragédia que poderia ocorrer em sua vida.  E poderia ser de outra maneira?"

"Confronte o caos da Existência.  Faça pontaria contra o mar de problemas.  Especifique seu destino e corrija sua rota.  Admita o que você quer.  Conte àqueles que estão ao seu redor, quem você é. Estreite, olhe atentamente e mova-se para frente, diretamente."

"Seja preciso no que diz."

O texto de hoje foi denso, mas acredito que foi produtivo - nos deixa pensativos...

Boa reflexão!

Até semana que vem.











 

 

 

quarta-feira, 21 de abril de 2021

MEDO DO NOVO

Amigos leitores,

Hoje, como início de nossas fábulas, serão descritas três histórias que tratam do mesmo tema.  Será um texto longo, mas de grande reflexão, principalmente devido à situação atual.

História:

Numa caçada, o caçador, de tocaia, percebendo um coelho mais afastado, atirou nele e o matou.  Por causa do estampido, todos os outros coelhos puseram-se a correr e a buscar segurança em cavidades subterrâneas. 

Entretanto, em pouco tempo, eles voltaram a superfície e continuaram com suas vidas corriqueiras, alheios e esquecidos do perigo que há pouco os afugentara.

Outra história:

Quando cães passam por vizinhanças diferentes, lugares estranhos aos que lhe são habituais, provocam a ira dos cães locais; estes últimos começam a latir e até tentar dar dentadas nos primeiros.  Eles pressentem uma invasão no seu território e uma ameaça aos seus domínios.

Outra história

Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho

Comunidade de peixes vorazes e gordalhudos, elegeram um rei e viviam despreocupados, entre a gula e a preguiça.  Comiam tudo sem preocupação pelos que não conseguiam acesso à comida e usavam os espaços para descanso.

Um peixinho vermelho menosprezado, mal alimentado, começou a estudar e a observar o lago.  Conhecia todos os buracos e todos os ladrilhos e aprendeu onde a lama se acumularia por ocasião dos aguaceiros. Encontrou a grade do escoadouro.

"Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?". Optou pela mudança.

Mesmo magro, perdeu escamas ao passar pela grade estreitíssima.

Conheceu novas paisagens, flores e sol, cheio de esperança.  Fascinou-se pelo oceano e pelas novidades.

Imprevidente, foi tragado por uma baleia, mas orou e voltou às correntes marinhas.

Passou a tomar cuidado com as coisas novas que conhecia e aprendeu a evitar os perigos e tentações.

Encontrou outros peixinhos delgados e estudiosos tanto quanto ele no Palácio de Coral.

Lembrou-se dos peixes do lago e sentiu compaixão, quis consagrar-se à salvação e ao progresso deles.

Com a colaboração de irmãos benfeitores do Palácio de Coral, empreendeu a viagem de volta, imaginando que causaria surpresa falando sobre as novidades e possibilidades além do tanque.

Os peixes continuavam ociosos e pesados, disputando larvas e minhocas.  Gritou anunciando a sua volta, mas ninguém havia percebido a sua saída.

Falou com o rei do lago, mas foi ridicularizado e acusado de mentiroso.  Expôs a sua experiência, mas gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção.

Diante da pequena grade de escoamento: "Não vês que não cabe aqui nem uma só de minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbes o bem-estar... Nosso lago é o centro do Universo... Ninguém possui vida igual à nossa!..."

O peixinho fez a viagem de retorno e instalou-se no Palácio de Coral.  Depois de algum tempo, aconteceu uma seca devastadora e todos os peixes pachorrentos pereceram atolados na lama.

Moral da História:

Nas três histórias comparemos o homem e a sua dificuldade com as ideias novas.

Na primeira história, imaginemos uma tempestade.  Na sua eminência, os homens procuram proteção, colocando sua vida em segurança.  Depois, passada a tempestade, eles acabam se expondo ao perigo novamente.

Essa história demonstra que depois do primeiro impacto (estampido do tiro; tempestade) ter passado, as coisas se acomodam.  O novo pode surgir sem desestabilizar o que já existe.  Ele pode coexistir com o já conhecido.  Em adição, ele também pode trazer outras ideias ou conceitos, expandindo o crescimento de todos.

Na segunda história, os homens são parecidos com os cães locais que atacam os novos por medo de serem por eles substituídos.  Para o homem, em sua vida trivial, quanto menos inovação melhor.

Mas, por que o homem receia o novo, afinal de contas?

O novo representa o desconhecido.  Todos temos facilidade com o conhecido - ele requer menos esforço, pouca concentração, pouco trabalho, menos dispêndio de tempo - é a "lei do menor esforço".  O desconhecido pelo contrário, requer muita concentração para entendê-lo, mais esforço e trabalho (tanto físico quanto mental), exige mais tempo.  Mas, ele traz uma riqueza incomparável - o seu crescimento individual.  Tomemos como exemplo uma pessoa que deseja tocar piano.  O seu aprendizado básico requer, no mínimo oito anos com duas a quatro horas diárias de treino.  Entretanto, a cada aula, a cada ensaio, ela toca melhor o piano.  Com concentração, esforço, trabalho, dedicação e tempo, ela apreendeu mais uma habilidade e cresceu como ser humano.

Hammed também nos traz a informação de que mudar de ideia também não é tarefa das mais fáceis para qualquer um (excetuando-se aqueles que tem pouca firmeza, inseguros, que mudam de ideia a todo momento).  Parece que um dos motivos é o medo de sermos convencidos a mudar de ideia pelos argumentos e razões dos outros.  Isso pode denotar orgulho e vaidade, pois acham que podem perder o prestígio e a reputação se alterarem suas opiniões.  É óbvio que é mais cômodo cada um manter suas ideias, mantendo a mente fechada para novos aprendizados.  Para muitos é preferível permanecer com um nível limitado de saber, do que crescer. Crescer, aprender dá trabalho, exige força de vontade, mente aberta, e porque não dizer, traz sim, uma dose de ansiedade.  Mas é uma ansiedade leve que impulsiona o indivíduo para frente em busca de novos caminhos para uma mesma direção.

Quando se passa a refletir sobre o porquê do medo do novo, é difícil ter um ganho secundário, como se diz na psicologia.  O que ganhamos quando nos recusamos a olhar para o lado inusitado das coisas é uma vida entediante e infeliz.  Lembremo-nos de que toda vez que nós nos recusarmos a encarar o novo, o desconhecido, e percebermos que os dias passam e o progresso evidenciar tudo o que não quisemos enfrentar, perceberemos que este medo era o orgulho e a ignorância disfarçados.  Hammed nos aponta que o vaidoso é o que mais rejeita as coisas inusitadas.

Entretanto, existem circunstâncias nas quais por interesses pessoais (fama, prestígio, dinheiro, ascensão social) amaldiçoamos o novo, ou por comodismo, deixamos para trás a chance de evoluir.

Muitas vezes, o novo entra em nossa vida na forma de um conflito, de um problema a ser resolvido.  E aí? Desistimos de solucionar o problema porque ele nos traz novas informações? Fingimos não haver conflito, só para não termos aborrecimentos?

Mudanças são necessárias.  Mudar traz bem estar, exige uma nova maneira de olhar a vida, amplia a visão, estimula a reflexão e por conseguinte, ocasiona o amadurecimento.  Quando nos acostumamos a realizar as coisas sempre da mesma maneira, perdemos oportunidade de aprender maneiras melhores de chegar a um mesmo objetivo.

Na história dos coelhos, o estampido do tiro que os assusta é o novo que provoca reações que exigem alteração da rotina, do contrário pode ocorrer novamente a mesma situação (outro tiro e outro coelho morto).

Na história dos cães, o novo está representado pelo bando de cães que passam em território alheio, provocando a ira dos cães locais, que reagem  à invasão do falso inimigo, latindo e exasperando-se.  (Necessariamente, eles não são cães inimigos).

Na história do peixinho vermelho, o novo está obviamente representado por tudo o que ele descobriu em sua viagem pelo oceano.  O desenho "Procurando Nemo" foi baseado nessa lenda egípcia.

Frente ao novo, a ideia é não evitá-lo e nem reagir contra ele.  A ideia é interagir com ele.

Aceitar as mudanças é sinal de inteligência.  O homem inteligente é aquele que se adapta a novas situações e com elas se integra.  E, além de tudo, diante do novo, nem sempre precisamos mudar o caminho, mas mudar somente o modo de caminhar.

E aí pessoal?  Vocês conseguem realizar mudanças facilmente? As histórias ajudaram a ter ideias para futuras mudanças em vossas vidas? 

Boa semana!


















 

quinta-feira, 15 de abril de 2021

ESOPO/LA FONTAINE/LA ROCHEFOCAULD/HAMMED: FÁBULAS

Queridos Leitores,

 Hoje começarei uma nova série de textos, os quais serão intercalados com outros de assunto diversificado e os textos sobre as regras de Jordan Peterson.

Fábulas são histórias fictícias que simulam verdades, com fundo moral ou didático, envolvem animais que falam ou divindades, com um toque de humorismo.  A palavra fábula significa relato.

Essa série de textos terá como base o livro de Hammed "La Fontaine e o Comportamento Humano".

Esopo é conhecido como o mais antigo fabulista da história - foi um escravo da Grécia do século VI a.C. "A presença dos animais em seus contos deve-se principalmente ao convívio ativo entre os homens e o mundo animal naqueles tempos.  Ele teve alguns continuadores, como o romano Fedro (séc. I a.C.), que enriqueceu suas fábulas estilisticamente, e o francês Jean de La Fontaine (séc. XVII), entre outros.

La Fontaine, inspirado por Esopo, popularizou as histórias, escritas em 12 livros publicados entre 1668 e 1694 na França - muitas delas são conhecidas até os dias de hoje.

Hammed traz uma boa explicação no início do livro, antes mesmo da introdução, para compreendermos como abstrair e refletir sobre cada fábula: "Ao comentarmos estas fábulas, temos a aspiração de levar a todos uma reflexão dos porquês da diversidade comportamental dos indivíduos, para que possamos nos entender melhor e, ao mesmo tempo, entender os outros em suas peculiares maneiras de agir e reagir ante as diferentes circunstâncias existenciais.

Acreditamos que as fábulas podem ter a mesma função do espelho.  A variedade de imagens e ideias descritas leva o leitor a identificar-se emocionalmente com elas e projetar suas necessidades evolutivas nos contos, moldando seus significados de modo que reflitam conteúdos psicológicos que precisam de ressignificação."

La Fontaine foi amigo de outro famoso escritor, La Rochefocauld, cuja obra fala também da moral e da ética humanas.  Em seu famoso livro "Máximas e Reflexões", há um capítulo intitulado "Da Relação dos Homens com os Animais", cujas ideias são similares às ideias de La Fontaine.  Aqui retrataremos alguns trechos:

"Há tantas espécies de homens quantas de animais, e são os homens para os outros homens o que as diferentes espécies de animais são entre si, e umas para as outras.  Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes! Uns, como tigres, são sempre bravios e cruéis; outros, como leões, guardam certa aparência de generosidade; outros, como ursos, são ávidos e grosseiros; outros, como lobos, são raptores e impiedosos; outros, como raposas que vivem de sua indústria, têm por ofícios lograr.

Quantos homens não têm parte com os cães! Destroem a própria espécie, caçam para o prazer de quem lhes dá de comer; às vezes seguem os donos, outras lhe guardam a casa.  Há lebréus de guerra (cão amestrado na caça das lebres) que devem a vida ao próprio valor; que têm nobreza na coragem; há dogues (cão de pequeno porte, focinho chato e índole bravia) encarniçados (ferozes, cruéis) que só o furor têm por qualidade; há cães menos ou mais inúteis que ladram sempre e só às vezes mordem, há mesmo os cães de guarda que nem comem o que é do dono nem deixam os outros comerem.  Há símios e macacas que agradam pelas maneiras, que têm espírito e fazem sempre o mal; há pavões que só beleza têm, cujo canto desagrada e que destroem o lugar que habitam.

Há pássaros que só se recomendam pela plumagem e pelas cores.  Quantos papagaios não falam sem cessar e nunca ouvem o que dizem; quantas pegas e gralhas não se deixam amansar para melhor furtar; quantas aves de rapina (furto, roubo) não vivem só da rapina; quantas espécies de animais pacíficos e tranquilos não servem só de comida aos outros animais!

Há gatos, sempre à espreita, maliciosos e infiéis, que têm a pata de veludo; há víboras de língua venenosa cujo restante tem emprego, há aranhas, moscas, pulgas e percevejos sempre incômodos e insuportáveis; há sapos que só dão pavor e veneno; há corujas que temem a luz.  Quantos animais não vivem debaixo da terra somente para se preservar! Quantos cavalos não empregamos em tantas coisas e não abandonamos quando já não servem; quantos bois não trabalham a vida toda para enriquecer aquele lhe impõe o jugo; quantas cigarras que passam a vida a cantar; lebres que de tudo têm medo; coelhos que se assustam e sossegam num prisco (salto, pulo para o lado); porcos que vivem na devassidão e no lixo; canários domesticados que logram seus semelhantes e os atraem para a rede; corvos e abutres que só vivem de podridão e corpos mortos! Quantas aves de arribação (migratórias) não vão de um mundo para o outro e se expõem a perigos em busca da vida! Quantas andorinhas sempre à procura de bom tempo; besouros irrefletidos e sem rumo; borboletas que anseiam pelo fogo que as queima; abelhas que respeitam a rainha e com regras e indústria se mantêm! Quantos zangões errantes e preguiçosos que procuram se estabelecer às expensas das abelhas! Quantas formigas cuja previdência e economia lhes alivia as necessidades! Quantos crocodilos que fingem derramar lágrimas para devorar quem com elas se comove! E quantos animais subjugados porque ignoram sua força!

Todas essas qualidades têm o homem, e pratica com os outros homens tudo o que praticam os animais de que falamos."

La Fontaine possui uma frase muito conhecida: "Sirvo-me de animais para instruir os homens."

Hammed faz uma releitura das fábulas contadas por La Fontaine lembrando que ações e condutas exteriores são geradas primeiramente na vida íntima, onde os pensamentos criam a saúde ou a enfermidade.  Essas fábulas podem levar-nos a profundas reflexões.

As fábulas, na visão de Hammed, agem como um auto trabalho terapêutico, porque quando um indivíduo se associa a um personagem fictício, ele tem mais facilidade de entrar em contato com suas próprias memórias e/ou fantasias, podendo ressignificar seus conflitos e reinterpretar seus desejos ignorados.

O texto de hoje foi apenas uma introdução sobre o assunto.  Posteriormente, num outro texto, trarei a vocês a primeira fábula.

Você já se lembraram de alguma fábula que conheceram em vossa caminhada pela vida? Compartilhem se lembrarem.

Boa semana! 




quinta-feira, 8 de abril de 2021

SABER OUVIR

Caros amigos leitores,

Olá! Hoje vamos à nona regra de "Doze regras para a Vida" de Jordan B. Peterson: "Presuma que a pessoa com quem está conversando possa saber algo que você não sabe."

Antes de entrar no tema propriamente dito, gostaria de fazer uma ressalva: Tatiana Feltrin, que tem um canal do youTube onde discute livros, hoje, ao ver sua postagem, ela comentou que este livro no Brasil está classificado como livro de autoajuda. No exterior, ele não está com essa classificação.  Ela não acha adequada essa classificação e eu concordo com ela.  A princípio, eu, particularmente, não tenho nada contra livros de autoajuda, pois na minha opinião e experiência, eles ajudam, entretanto parece que o povo brasileiro não os acha sérios o suficiente para lê-los.  Assim, Jordan B. Peterson não escreve livros de autoajuda e este livro não o é.  Ao contrário é um bom livro para quem quer mudar algum comportamento, refletir sobre si mesmo e ter uma boa vida.

Bem, vamos à nona regra.

De acordo com o título, fica claro que muitos de nós temos dificuldade para ouvir.  Para nós, terapeutas, fica um pouco mais fácil; afinal de contas o nosso ganha pão é ouvir.  Entretanto, também falamos.  Com algumas pessoas ouço mais e com outras falo mais.  Muitas pessoas não tem com quem falar e quando falam colocam tudo para fora o que as incomoda e muitas vezes, de quebra, ao ouvirem à si próprias até conseguem achar, por si mesmas, soluções para suas dificuldades.

Todas as pessoas podem tornar-se terapeutas apenas ouvindo o que outras pessoas têm a dizer.  É incrível o que elas te contam quando você realmente as ouve.

Todos nós gostamos de sermos ouvidos, então vamos dar a chance a outros também realizarem essa prática.  Mas o que é ouvir genuinamente?

Jordan B. Peterson nos aponta dois tipos de pessoas que parecem estar ouvindo atentamente o outro, mas não o estão.

Tipo 1: "Uma pessoa começa a contar uma história sobre uma ocorrência interessante, recente ou passada, sobre algo bom, ruim ou surpreendente o suficiente para fazer com que valha a pena ser ouvida.  A outra pessoa, a que está ouvindo, já começa a pensar em outro assunto melhor, pior ou mais surpreendente para contar."

Tipo 2: "Há outro tipo de conversação onde um dos participantes busca atrair a atenção "vitoriosa" para o seu ponto de vista.  Essa é uma variante da conversação hierárquica-dominante.  Durante a conversa, a qual frequentemente tende a ir em direção a uma ideologia, a pessoa que fala empenha-se em: a) denegrir ou ridicularizar o ponto de vista de alguém que professe posição contrária; b) usar evidência seletiva ao fazer isso e finalmente c) impressionar os ouvintes (muitos dos quais já estão ocupando o mesmo espaço ideológico) com a validade de suas assertivas.  A meta nesse tipo de conversação é ganhar apoio para uma visão de mundo mais hipersimplificada, unilateral e abrangente.  Portanto, o propósito da conversação é fazer com que não pensar seja a melhor tática." 

"Esses dois tipos de conversação são muito diferentes do tipo em que um fala e outro ou outros ouvem.  Quando uma conversação genuína ocorre, cada pessoa tem a sua vez de falar e todos os outros estão ouvindo."

Muitas vezes, nossos julgamentos, nossos preconceitos dificultam a arte de ouvir.  Peterson afirma: "Se você ouve, sem julgamentos prematuros, as pessoas geralmente lhe dirão tudo o que estão pensando; lhe contarão as coisas mais absurdas, incríveis e interessantes.  Poucas de suas conversas serão entediantes. (Você, em realidade pode dizer se está  realmente ouvindo ou não.  Se a conversa é entediante, provavelmente você não está ouvindo.)"

"Quando contamos algo para alguém estamos reorganizando um evento que nos trouxe preocupação, algum trauma, algum desabafo e dessa maneira reavemos a situação para nossa própria reflexão pessoal." Já foi dito popularmente que temos dois ouvidos e uma boca - para ouvir mais e falar menos e, que nossa boca está mais próxima de nossos ouvidos do que dos ouvidos de nossos interlocutores, para que possamos nos ouvir e refletir no que falamos.

"Nós organizamos nossas mentes com conversações."

"Outro tipo de conversação é num workshop, por exemplo.  As pessoas envolvidas nesse tipo de conversa discutem ideias para estruturar suas percepções e guiar seus atos e palavras.  Há uma filosofia comum nesse tipo de grupo e antes de participarmos dele temos que ter em mente algumas informações."

"Você já sabe o que você sabe e, a menos que sua vida seja perfeita, o que você não sabe não é o suficiente.  Você continua sendo ameaçado por enfermidades, decepções próprias, infelicidade, malevolência, traição, corrupção, dor  e limitação. Você está sujeito a todas essas coisas e na análise final, isso acontece porque você não sabe como se proteger.  Se você soubesse mais, você poderia ser mais saudável e mais honesto.  Você sofreria menos.  Você poderia reconhecer, resistir e até triunfar sobre a malevolência e o mal.  Você não trairia um amigo, nem lidaria com políticos, negócios ou amor com falsidade.  Entretanto, seu conhecimento atual não te fez perfeito nem te manteve seguro.  Assim, o que você sabe é insuficiente, por definição - radicalmente e fatalmente insuficiente."

"Você deve aceitar esses fatos antes de conversar com alguém em termos filosóficos, ou no citado workshop, ao invés de convencer, oprimir, dominar ou até entreter.  Para ter esse tipo de conversação é necessário respeitar a experiência pessoal de seus interlocutores.  Você deve presumir que eles chegaram cuidadosamente a conclusões genuínas.  Você deve acreditar que se eles compartilham suas conclusões com você, você pode ao menos agradecer ao fato de não precisar passar pelas mesmas experiências pessoalmente (aprender com experiências alheias pode ser mais rápido e muito menos perigoso).  Você deve meditar, ao invés de buscar estratégias para alcançar a vitória sobre a fala do outro."

"Uma conversa como essa, onde o desejo por verdade prevalece - da parte de todos os participantes - existe verdadeiramente o ouvir e o falar.  Nesta situação você está estável o suficiente para sentir-se seguro, mas flexível o suficiente para se transformar.  Ali, você permite que novas informações te atinjam - permeando sua estabilidade, reformando e melhorando sua estrutura de personalidade e expandindo seu domínio de conhecimento."

"Assim, ouça, a você e àqueles com os quais você está falando.  Sua sabedoria então consiste não no conhecimento que você já tem, mas na contínua procura por conhecimento, a qual é a mais alta forma de sabedoria.  É por esta razão que a profetiza do Oráculo de Delfos na Grécia Antiga considerou Sócrates em sua alta conta, pois ele sempre buscava a verdade.  Ela o descreveu como o homem mais sábio na Terra, porque ele sabia que nada sabia."

"Presuma que a pessoa com quem está conversando possa saber algo que você não sabe."

Muitas coisa para refletir hoje.  Então boa reflexão!

Até!

  

 




 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

CLUBE PAULISTA DE PATINAÇÃO - CPP

 Queridos amigos leitores,

Quando vamos ficando com mais idade é comum nos lembrarmos de nossas fases anteriores, a infância, a adolescência e a mocidade.  Isso não quer dizer, de maneira nenhuma que "os meus tempos eram melhores" - ao contrário, os tempos atuais trazem muita comodidade, algum conforto e inovação.

Muitas pessoas tendem a relembrar tragédias pelas quais passaram, outras recusam-se a lembrar, dizem que o passado enterrado está.  Eu faço parte do grupo que gosta de lembrar coisas boas, divertidas, para sorrir e rir novamente.  

Essa semana, no café da manhã, em conversa com meu marido (nossas conversas no café da manhã são longas - comemos muito, principalmente muitas frutas e cereais e refletimos sobre os acontecimentos da véspera, as leituras que realizamos) comecei a lembrar-me de minha adolescência.

Poucas pessoas tiveram e têm hoje uma adolescência tão feliz como a que eu tive.  Assim, o texto de hoje traz um pouco de minhas memórias e uma dica para os pais que hoje tem filhos adolescentes.

Aos 13 anos comecei a participar de um clube de patinação em São Paulo, onde morava.

A ideia e a organização do clube estava nas mãos de meus padrinhos de batizado, amigos de meus pais, Lyla-Léa Casale e Mário Casale Primo.  O texto de hoje também é uma homenagem e um agradecimento a esse casal, o qual ainda está entre nós, embora bem idosos, por ter auxiliado muitas famílias a educarem seus filhos para um futuro mais saudável e maduro.

Coloquei no título de hoje, o nome do clube que existe até hoje, sem sede, e onde alguns antigos membros ainda jogam hóquei sob essa designação - para que alguns desses meus amigos que estão no Facebook e que por ventura não gostem de ler, ou não costumam ler o meu blog possam ver o título, e, quem sabe, queiram, ler esse texto.

Assim, quero dizer que fui muito feliz entre essa turma e que muito do que me tornei hoje devo a essa fase de minha vida.

Nós praticávamos, treinávamos corrida sobre patins todas as quartas feiras à noite nas marquises do Parque do Ibirapuera e aos domingos à tarde, treinávamos patinação artística e hóquei sobre patins  no Centro Educacional de Santo Amaro, pois não tínhamos sede própria.

O que gostaria de trazer para reflexão e também como sugestão aos pais que hoje tenham filhos adolescentes é o que relatarei a seguir.

No início éramos um grupo pequeno, tipo umas 3 ou 4 famílias, entretanto a cada ano, mais e mais famílias buscavam esse esporte.  Não era um esporte muito barato - os patins eram caros, tínhamos uniforme, a cada show de patinação artística tínhamos roupas diferentes/fantasias, embora muitas mães se esmeravam na confecção das mesmas diminuindo o seu custo.

Os pais estavam presentes em TODAS as atividades desse clube junto com os filhos - às quartas à noite as mães levavam café e bolo para os treinos, principalmente nas noites frias.  Por causa dos campeonatos conheci muitos clubes: Palmeiras, Portuguesa, São Paulo, AABB (Associação Atlética Banco do Brasil - na minha opinião, melhor ginásio para se patinar), Clube de Regatas Santista, Internacional de Santos.

Esse esporte, essa família, esse clube nos afastou, a todos nós das drogas, das bebidas.  Atualmente, os filhos não querem a presença dos pais em suas atividades e, infelizmente, na minha opinião, os pais abraçam essa ideia.  Vocês, amigos que ainda tem filhos pequenos e adolescentes busquem um atividade onde vocês todos possam participar juntos.  No início, é possível que seus filhos achem essa ideia "careta", "ultrapassada", "os tempos são outros".  Hoje, vejo pais deixarem seus filhos realizarem atividades que gostam sem o apoio deles.  Os pais são responsáveis pelos filhos, sua educação, suas vidas até os 21 anos de idade (pela lei) e é um tempo razoavelmente curto para ajudá-los a descobrir seus talentos.  Os filhos, embora não o saibam no começo, mas fazem muitas amizades, conhecem pessoas nessa fase que podem tornar-se seus amigos até o fim da vida.

Infelizmente vejo hoje muitos adolescentes perdidos, droga adictos, depressivos, com baixa autoestima.  Os pais atuais não são necessariamente os responsáveis por isso, mas o apoio deles nas atividades dos filhos faz uma grande diferença.

Então, hoje me lembrei dessa maravilhosa fase de minha vida e com ela lembro com carinho de muitos amigos, alguns estão no meu Facebook e outros já não sei o paradeiro.  São eles: família Azevêdo, família Ruggeri, família Chicarino, família Castro, família Casale (óbvio), família Halker. Minha irmã hoje está casada, com duas filhas, com uma pessoa que ela conheceu no clube; aliás alguns casais se fizeram assim.

O clube em si foi se desfazendo à medida que entrávamos na faculdade e começávamos a trabalhar - embora os treinos fossem quartas à noite e domingos à tarde, nosso estudo e trabalho tomavam boa parte de nossas vidas.  Lembro-me de ter parado de patinar aos 21 anos quando entrei na PUC, na primeira faculdade.  Hoje, já não tenho mais meus patins; foram doados quando me mudei para Curitiba.  Tenho boas lembranças desse tempo e muitas saudades de tudo e de todos. Entretanto a vida continua e eu sou feliz onde estou.

Que o texto de hoje possa ter levado alguns de vocês ao passado  e à contribuição dele para a reflexão de vossa vida atual.

Boa Semana!




VISITA A SÃO PAULO

Caros leitores, Este ano, em nossa ida para Sampa para visitar amigos que lá deixamos, visitamos 15 pessoas.  O ano passado ficamos 6 dias e...