segunda-feira, 28 de junho de 2021

INSTITUIÇÕES E REGRAS X CRIATIVIDADE MORAL

Caros amigos leitores,

O assunto de hoje foi motivado pelo novo livro de Jordan B. Peterson que comecei a ler - "Além da ordem - mais doze regras para a vida" (em tradução livre, acredito ainda não ter tradução em português).  Em sua primeira regra ele discorre sobre a importância das instituições sociais, as regras morais da sociedade e os grandes feitos da criatividade.

As ideias que ele trouxe à baila, eu nunca havia pensado.

Muitos de nós têm o hábito de denegrir a imagem de algumas instituições, principalmente as instituições públicas.  Entretanto, a maioria delas realiza um bom trabalho - muitas vezes critica-se a maneira como elas realizam suas funções, como se, aqueles que as criticam conseguissem realizar seu trabalho melhor do que os funcionários das mesmas - porém é sabido que essa não é a realidade.  O hábito, o costume, ou melhor, o vício de criticar é realizado automaticamente, sem o exame dos fatos.  Basta uma atitude delas com a qual não concordamos porque vai de encontro aos nossos interesses pessoais, para, automaticamente, julgarmos essas instituições como ineficientes, ruins ou até inúteis. Com certeza, algumas instituições servem como "cabides de empregos" como as chamamos - mas não são a maioria.

Jordan Peterson iniciou a discussão dessa nova série de regras falando das instituições e de como elas são importantes, na opinião dele, para o funcionamento da sociedade como uma entidade moralmente equilibrada.  Concordo parcialmente com ele.  Para mim quanto mais instituições, menos reflexão da parte das pessoas - um mundo cheio de muitas regras retira a nossa capacidade de fazer uso de nosso livre arbítrio, principalmente se forem regras as quais não conseguimos entender para o que elas servem, qual a sua finalidade.

Como exemplo, vamos pegar as regras de trânsito do Brasil - embora o código seja nacional, cada estado e/ou cidade faz uso dele como lhe aprouver.  Nasci e morei em São Paulo - Capital até 2011.  Em junho de 2011, meu marido e eu, nos mudamos para a capital do Paraná - Curitiba, onde residimos até hoje.  Aqui, não  dirijo por opção (ter um carro hoje é muito dispendioso).  Obviamente que as leis de trânsito deveriam ser as mesmas de São Paulo, entretanto percebemos um detalhe que é diferente - o estacionamento de carros nas calçadas.  Em São Paulo quando um veículo estaciona na calçada ele é multado de acordo com a quantidade de rodas que se encontra na calçada.  Aqui em Curitiba é livre - pode-se estacionar nas calçadas onde não há rebaixamento das mesmas, sem receber nenhuma multa.  Como não temos entrada para carros em nossa casa, para não ter nossa calçada danificada, plantamos quatro árvores (hibiscos) para evitar essa prática, pois assim que nos mudamos, os vizinhos se acostumaram a colocar os carros em nossa calçada.  Com certeza, o código de trânsito é o mesmo em todo o país, mas cada um "obedece" quando e onde lhe convém.

Esse exemplo me leva à outra ideia dessa regra de Peterson onde ele afirma: "respeite as regras, exceto quando ao segui-las você desrespeita, ignora ou mantém-se cego para um princípio moralmente elevado."  Ele traz dois exemplos, aos quais achei muito condizente com a sua informação. Os dois exemplos dizem respeito à duas atitudes de Jesus Cristo.

A primeira está no Evangelho de Lucas 2:42-52.  Jesus estava com doze anos de idade e foi juntamente com sua família para Jerusalém para as festas da Páscoa.  Ao fim das comemorações, os pais de Jesus, Maria e José, ao deixarem a cidade, Jesus não estava com eles e eles acreditaram que ele já se encontrava com o pessoal da caravana, entretanto ao buscarem-no não o encontraram.  Tiveram que voltar à cidade e o encontraram no templo, sentado em meio aos doutores em confabulação a respeito das sagradas escrituras. Quando interpelado pelos pais dizendo que ele os havia desobedecido, ele respondeu: "Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?"

A segunda atitude de Jesus está em Lucas 6:6-10.  Num sábado, Jesus entrou numa sinagoga para ensinar e havia ali um homem com a mão atrofiada. " Os escribas e os fariseus observavam-no para ver se ele o curaria no sábado, e assim encontrar com que o acusar. Ele, porém, percebeu seus pensamentos e disse ao homem da mão atrofiada: "Levanta-te e fica de pé no meio de todos." Ele se levantou e ficou de pé. Jesus lhes disse: " Eu vos pergunto se, no sábado, é permitido fazer o bem ou o mal, salvar uma vida ou arruiná-la." Correndo os olhos por todos eles, disse ao homem: "Estende a mão". Ele o fez, e a mão voltou ao estado normal." Para os judeus, o sábado é um dia santo, onde muitas atividades não podiam ser realizadas.

Nesses dois exemplos, Jesus "burlou" a lei estabelecida na época e usou de uma ação moralmente criativa (aliás, eu diria que Jesus sempre usou de muita criatividade moral - lembremo-nos de sua atitude no evento da tentativa de apedrejamento da mulher adúltera).

Peterson afirma: "É necessário ser disciplinado e seguir regras - fazer humildemente o que os outros fazem; mas também é necessário usar o julgamento, a visão e a realidade que guia a consciência que diz o que é certo, quando a regra sugere o contrário.  É esta habilidade para lidar com essa atitude que verdadeiramente caracteriza a personalidade desenvolvida de uma pessoa."

Os heróis das histórias fictícias que lemos ou que vemos nos filmes, possuem essa atitude.  Peterson traz também o exemplo das histórias de Harry Potter.  Harry e seus amigos, Hermione e Ron, muitas vezes desobedeciam as regras da escola Hogwarts por boas causas - tais como, ajudar um amigo com problemas ou desvendar um segredo.

"Cada regra que existe hoje no meio social foi antes um ato criativo - o de quebrar outras regras."  Para Peterson é a "interação entre as instituições sociais e os feitos e atitudes criativas que mantém o mundo equilibrado na tênue linha entre a extrema ordem e o extremo caos."

No início do texto, ao reportarmo-nos sobre as instituições lembremo-nos de que elas são úteis para o andamento da vida social, e que algumas vezes a hierarquia se faz necessária porque nenhum homem consegue realizar tudo em todos os momentos.  Outras pessoas realizam coisas melhores que nós.  Deveríamos usar de gratidão por outras pessoas poderem realizar o que não conseguimos e usar de humildade para reconhecer esse fato.

No quesito hierarquia sabemos que autoridade é necessária, entretanto esta deveria ser exercida somente por quem tem autoridade moral.

Assim, "siga as regras até onde você for capaz de ser uma pessoa exemplar naquilo que elas representam, mas quebre-as quando essas mesmas regras constituem, no momento presente, um grave impedimento para a representação de suas próprias virtudes centrais."

Quando li essa primeira regra desse novo livro de J.Peterson, tive muitas  reflexões e, como disse no início, refleti sobre ideias que nunca havia pensado e, para finalizar, trago uma frase de Henry David Thoreau, grande pensador americano do século XIX, do seu texto "Desobediência Civil":

"O melhor governo é o que não governa de modo algum".

Essa reflexão fica para outro texto.

Boa semana!













 


 

quinta-feira, 24 de junho de 2021

A ANDORINHA E OS OUTROS PÁSSAROS

 Caros amigos leitores,

Primeiramente, vamos à história/fábula:

"Uma andorinha bem viajada muito aprendeu por onde andou: quem muito viu tem muita lembrança guardada.  Acabou se diferenciando dos outros pássaros: tinha uma sabedoria que os outros não tinham e desenvolvera a capacidade de prever os perigos, por menores que fossem.

Um dia, ao ver o camponês semear o cânhamo, ela sentiu o perigo que ameaçava os pássaros.  Reuniu todos e os alertou sobre a ameaça que pairava sobre eles;  as máquinas, as armadilhas, os homens querendo matá-los ou aprisioná-los em gaiolas.

Os pássaros zombaram dela dizendo que era nos campos que encontravam os alimentos.

Quando as sementes brotaram, novamente a andorinha experiente aconselhou-os:

- Arranquem broto por broto do que o maldito grão produziu, ou pagarão caro pela sua ignorância.

Os pássaros não acreditaram nas palavras da andorinha e chamaram-na, zombeteiramente, de profetisa do azar, de língua sem trave.  Mas a sábia andorinha insistia:

- Colocarão armadilhas e vocês serão presos, pois, diferentemente dos patos e das outras espécies que migram, vocês não tem condições de procurar outros mundos.  Não fiquem confusos, às tontas: recolham-se aos ninhos, ou mudem de clima.  Façam como as cegonhas: no final das contas, fujam pelo alto, por cima.  Não tentem caminhos incertos: escondam-se nalguma brecha da parede.

Os pequenos pássaros ouviam sem nada entender, assim como os troianos ouvindo a sibila prever o triste final que os aguardava.

Dito e feito: um número enorme de aves o homem encarcerou.

Só se escuta o que se acha mais conforme, e só se crê no mal quando ele já chegou."

Observação: Quando La Fontaine menciona "os troianos e a sibila", ele se refere ao evento que iniciou a invasão de Tróia pelos gregos.  Cassandra, a filha do então rei de Tróia, Príamo, que tinha o dom da profecia, alertou sobre o presente que os gregos ofereceram a Tróia - o famoso Cavalo de Tróia; ela que criou a expressão "presente de grego", mas eles não lhe deram crédito; tudo o que Cassandra dizia era verídico, mas ninguém acreditava em suas palavras.

Sibila: 1. Entre os antigos, profetiza. 2. Termo familiar: bruxa, feiticeira.

Essa fábula, entre outras coisas, fala da atenção.  No dicionário Aurélio, existem algumas definições importantes de atenção. São elas: 1. Aplicação cuidadosa da mente a alguma coisa: cuidado, concentração, reflexão, aplicação; 2. Reparo; 3. Ato(s) ou palavra(s) que demonstra(m) consideração, amabilidade, urbanidade, cortesia ou devoção a ou para com alguém; 4. Serve para advertir, recomendar cuidado, impor silêncio, etc. 5. No corpo militar é a voz de advertência que põe o soldado de sobreaviso para a ordem que virá depois.

Lembremo-nos de que estamos em constante processo de crescimento e um dos instrumentos que temos ao nosso dispor para usar nessa empreitada é a atenção. Sem atenção é difícil fazer escolhas e prever suas consequências.  Entretanto, há um mecanismo psicológico muito usado, como método de defesa do ego, quando não podemos suportar ou admitir os fatores e resultados de um fato ou acontecimento.  Isso quer dizer que tudo o que possa desorganizar nossa autoestima ou até ser inadequado ao nosso modo de pensar ou sentir é desviado de nossa atenção.  Esse mecanismo de defesa do Ego é chamado de desatenção seletiva - só vemos o que queremos ver.

A atenção possui algumas funções.  São elas:

1. Atenção seletiva - é quando o indivíduo escolhe prestar atenção a alguns estímulos e ignorar outros;

2. Vigilância - é quando o indivíduo se mantém alerta e concentrado e espera detectar o surgimento de algo ou algum estímulo específico:

3. Sondagem - é quando o indivíduo metódica e ativamente busca descobrir algo através de exame e observação minuciosos.

Todas as vezes que queremos compreender algo a fundo ou analisar o significado de alguma coisa caminhamos para um processo de atenção seletiva e/ou desatenção seletiva, ou seja, ainda algumas percepções escapam de nossa "visão" porque não é possível captar todas as nuances de um objeto ou situação porque "nem tudo o que se olha e o que se quer ou se pode ver".

Por incrível que pareça só vemos, percebemos aquilo que estamos habituados.

Muitos historiadores contemporâneos relatam que à época do descobrimento da América, quando as caravelas de Colombo aportaram na nova terra, os indígenas da região, a princípio não teriam visto as naus porque não estavam acostumados àquela visão, porque nunca haviam visto tais embarcações e só depois de um tempo, pouco a pouco foram percebendo os traços daqueles objetos imensos para depois poder vê-los por completo.  Isso prova que todos precisamos estar alertas para "ver até o que não queremos ver".

A atenção pode ser consciente e inconsciente - é o fenômeno através do qual processamos certa quantia de informações.  Inconscientemente, a atenção está ligada diretamente com a intuição e o discernimento.  Mas, muitos homens, assim como os pássaros da fábula, desprezam essas suas capacidades.  São pessoas dispersivas onde lhes falta concentração e atenção para si mesmos - são imaturos, comportam-se como crianças e pior de tudo, tratam com desprezo e descaso aquelas outras pessoas que conseguem ir mais além e realmente, ver.

Atualmente, esse tipo de pessoa parece existir em maior número.  são pessoas consumistas onde falta a reflexão, atentam apenas para algo imediatista, procurando aquilo que oferece vantagem rápida, vivendo a seu bel-prazer, sem considerar as consequências futuras.  A melhor frase da fábula para este tipo de pessoa é "só se escuta o que se acha mais conforme, e só crê no mal quando ele já chegou."

Talvez seja por este motivo que usamos em grande escala, no dia-a-dia, expressões combinadas com a palavra atenção.  São elas:

- "chamar a atenção": muito usada nas escolas, pois as crianças são facilmente distraídas por outras coisas.  Na realidade, a escola, algumas matérias, alguns professores são maçantes e entediantes...

- "dar ou prestar atenção": além das escolas, expressões usadas também no cotidiano, no tráfego, em algumas fábricas, quando se ministra uma palestra ou aula e queremos que a pessoa "preste atenção" em determinado assunto ou detalhe específico importante.

- "em atenção à": em cartas, memorandos, avisos onde se convoca a atenção consciente para determinada pessoa ou grupo de pessoas.

- "atenção, olhe!": este é um aviso onde nosso consciente é acordado, alertando para algo muito importante, caso onde, se atenção não for dada pode ocorrer um acidente ou um infortúnio; em fábricas, na rua, perto de construções, em cruzamentos de linhas de trem, no ônibus, no metrô, etc.

- "atenção flutuante": expressão usada quando nos referimos a pessoas que não conseguem ter total concentração num determinado assunto, a atenção fica desorganizada e elas perdem parte do que está sendo explicado ou apresentado.

Essas expressões também denotam que uma ou duas palavras são mais significativas para o que se deseja alcançar ou mostrar do que frases maiores.  Por exemplo, se existe um cartaz afixado com os dizeres "atenção, olhe!" perto de um cruzamento de ruas é mais significativo do que as palavras "atenção, olhe para os dois lados da rua porque podem vir outros carros e você terá que aguardá-los passarem para então poder cruzar a rua."  E se houver apenas a palavra atenção é mais eficaz, porque a pessoa colocará todo o seu consciente em estado de alerta e concentrar-se-á naquilo que deverá realizar.

Como bem diz Hammed "a atenção é a bússola que determina a direção que nossos atos e atitudes vão tomar".  Como crescer e mudar comportamentos sem prestar atenção aos nossos atos e atitudes do dia-a-dia? Quando damos atenção àquilo que nos cerca estruturamos seletivamente nossa maneira de pensar, de julgar, de analisar, de imaginar e de formar opiniões e pontos de vista perante a vida.

A atenção possui características próprias:

a) Monitorar interações com o ambiente;

b) Interligar memórias com a sensação do momento, o seja, interligar o passado com o presente;

c) Planejar e controlar futuras ações baseado nas informações armazenadas pelas duas características anteriores.

Para viver uma vida harmônica é de suma importância escolher com cuidado para onde direcionar a atenção.  A existência é constituída por diminutas atenções do dia-a-dia e, consequentemente, a soma delas é que determina as nossas escolhas.  Para compreender como isso é importante, imaginemos estar caminhando por uma rua onde de um lado há árvores frondosas, flores, pássaros, casas bonitas e bem cuidadas, bem pintadas e algumas pessoas alegres, calmas e sorridentes e, do outro lado da rua há casas mal cuidadas, sujas, cães latindo ruidosamente, bares, música em alto tom e pessoas brigando em altos brados.  O resto do seu dia-a-dia dependerá de sua atenção voltada para o lado da rua que você escolher.  Bem, não é necessário explicar mais nada; o resto é fácil de concluir.

Um dos objetivos do texto de hoje é orientar sobre como fazer bom uso da atenção.  Ela ocorre diariamente, inconscientemente, queiramos ou não. É natural e não há como evitar, mas dá para treiná-la, educá-la a nosso favor.

Assim é que através da análise das nossas escolhas do presente, deduzimos as implicações e comprometimentos que podem ocorrer no futuro.  Essas escolhas sempre darão a nós um grande leque de opções pois podemos:

a) Prestar atenção aos obstáculos e vê-los como oportunidades a serem vencidas;

b) Prestar atenção aos conflitos e distingui-los como uma superação de dificuldades emocionais;

c) Prestar atenção aos sofrimentos e percebê-los como situações onde distinguimos ou determinamos limites de nossos excessos e carências.

O que diferencia homens e mulheres tranquilas e em paz daquelas criaturas infelizes, exaustas e desequilibradas é a seleção consciente das atividades, situações ou pessoas aos quais a atenção é dedicada.  Não podemos negar que diariamente somos compelidos em direção a uma grande quantidade de solicitações que geram intenso comprometimento pessoal.  Afinal de contas, colhemos o que plantamos.  Outrossim, se somos colocados frente a frente às situações aquém de nossa vontade, isso não significa que não temos o poder de dosar a intensidade de nossa atenção nesta ou naquela situação.  Se a situação for importante e trouxer bons resultados, a intensidade da atenção, da concentração será maior que uma situação que só trará desequilíbrio, aborrecimento, sem grande ganho para nós.

Outro ponto importante a considerar é que atualmente abraçamos muitas coisas ao mesmo tempo, e por este motivo a atenção é superficial e flutuante.  A ideia é dar atenção total a um número razoavelmente reduzido de atividades e pessoas - nesse sentido a concentração seria mais intensa e profunda.  A atenção total ao presente é o que enriquece nossa vida e nos faz crescer.  "Não podemos ser tudo para todos em todos os lugares... mas o importante é termos a consciência de ser alguém em nosso próprio lugar..."

Hammed lembrou nessa fábula das palavras do Cristo: "Porque onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração" (Mateus, 6:2), onde poderíamos substituir a palavra tesouro por atenção: "Porque onde estiver tua atenção, aí estará também o teu coração."

As escolhas que realizamos na vida são, sem sombra de dúvida, parte de nosso cotidiano.  Portanto, fazendo uso de nosso livre-arbítrio podemos escolher como viveremos nossos dias.  Dependendo de nossas escolhas podemos eliminar ou concretizar um sonho; optar por coisas adequadas que a vida nos oferece ou nos fixar nas dificuldades que acreditamos ter pela frente; olhar para o copo preenchido pela metade de água à nossa frente e considerá-lo quase cheio ou quase vazio; eleger como trataremos as pessoas e como deixaremos que elas nos tratem.  Através da seleção consciente das prioridades de nossa vida podemos escolher e "desescolher" a todo momento.

Para haver uma clara e sensata análise das situações e pessoas que nos cercam é imprescindível que possamos manter nossa mente aberta. O discernimento e o bom senso andam de mãos juntas e são considerados a luz que vem da alma. Quem faz uso deles como guia interno não se perde nas estradas da vida.  Aqueles que quiserem aprender a utilizar-se deles não poderão usar de impulsividade e precipitação na conclusão de ideias como absolutas - pelo contrário, deverão observar essas ideias de modo relativo, por todos os ângulos possíveis antes de chegar a qualquer conclusão ou definição.  Para o discernimento cumprir fielmente o seu papel, ele deverá vir acompanhado de paciência, tolerância, compreensão, raciocínio e amor.

Para finalizar acrescento que quanto mais a mente se abre, mais o indivíduo estará atento para a verdade de sua missão nesse planeta.

Boas reflexões!

Até a próxima semana!

































quarta-feira, 16 de junho de 2021

OS DOIS ALFORGES

Caros leitores,

Vamos à história:

"Um dia, Júpiter convocou todos os animais para comparecerem diante dele, a fim de que, comparando-se com os outros, cada animal reconhecesse o próprio defeito ou a própria limitação.  Assim, Júpiter poderia corrigir as imperfeições

E os animais, um a um, elogiavam a si próprios, gabavam-se de suas qualidades e só relatavam os defeitos alheios.  O macaco, ao ser questionado se estava feliz com seu aspecto, respondeu:

- Mas claro que sim! Cabeça, tronco e membros, eu os tenho perfeitos.  Em mim, praticamente, não acho defeitos.  É pena que nem todo o mundo seja assim... - Os ursos, por exemplo, que deselegantes!

O urso veio em seguida, mas não se queixou de seu aspecto físico, até se gabou de seu porte.  Fez críticas aos elefantes; orelhas demasiadamente grandes; caudas insignificantes.  Animais grandalhões, sem graça e beleza.

Já o elefante pensa o oposto e se acha encantador; porém, a natureza exagerou, para o seu gosto, quanto à gordura da baleia.

A formiga, ao falar da larva, franze o rosto:

- Que pequenez mais triste e feia!

Assim são os homens.  É como se lhes tivessem colocado dois alforjes: no peito, o alforje com os males alheios, e nas costas, o alforje com os próprios males.  De tal modo que eles são cegos quanto aos próprios defeitos, mas enxergam com nitidez os defeitos dos outros."

No dicionário Aurélio: Alforje: - duplo saco, ligado por uma faixa no meio (por onde se dobra), formando duas bolsas iguais; usado ao ombro ou no lombo dos animais, de forma que um lado fique oposto ao outro.

Psicologicamente falando, usa-se o termo transferência ou projeção quando evitamos entrar em contato com sensações, pensamentos, impulsos ou lembranças que nos causem desconforto.

Hammed colocou os dois termos como sinônimos e eles o são, realmente na conceituação das palavras, embora em termos psicológicos transferência seja mais comumente usada como um caso particular de projeção onde se descrevem os laços inconscientes e emocionais que surgem no analisando em relação ao analista.  Então, no decorrer do texto usarei a palavra projeção.

O termo projeção foi usado primeiramente por Freud, depois foi usado por outros teóricos da psicologia, mas Jung descreveu-o através de exemplos do cotidiano de maneira mais ampla.

A projeção é o processo automático pelo qual os conteúdos de nosso próprio inconsciente são percebidos como se estivessem nos outros.  Ele é um processo considerado automático porque todos tendemos a supor que o mundo é como nos o vemos e supomos também, de maneira ingênua, que as pessoas são aquilo que imaginamos que elas sejam.  Por isso, projetamos em tudo que nos circunda (lugares, pessoas, objetos) todos os conteúdos do nosso inconsciente.  Em primeira instância este é um fator positivo, pois facilita os relacionamentos interpessoais.  Quando supomos que uma pessoa possua determinada característica ou qualidade e, depois de um tempo de convivência com ela, constatamos que a suposição inicial estava errada, ou seja, ela, na realidade, não possui tal característica ou qualidade, surge a oportunidade de aprendermos algo sobre nós mesmos.  Este é o momento de retirar ou dissolver as projeções.

Antes de continuar nesta linha de raciocínio gostaria de lembrar que as projeções não são processos conscientes. Nós nos defrontamos com elas; elas não são criadas por nós.  A razão para sua existência é sempre (para Jung) um inconsciente ativado em busca de expressão.  Se a pessoa é consciente de si e do mundo não há necessidade de projeção.  Mas não há neste mundo um único indivíduo totalmente consciente.  Aquele que o fora, foi Jesus.

A projeção então surge como uma oportunidade de autoconhecimento.  Com coragem, paciência, perseverança podemos conhecer nossas características e qualidades e transformá-las.

As projeções existirão enquanto o indivíduo usá-las como pontes agradáveis e convenientes para interagir com o mundo e dessa maneira, aliviarão o fardo da vida de modo positivo.  Entretanto, assim que o indivíduo perceba a realidade, tanto de si como do outro, a projeção perde a sua função - ela deverá ser retirada ou até dissolvida. Do contrário atuará como um impedimento para o crescimento pessoal.

Uma das percepções da necessidade da retirada das projeções é a indicação de expectativas frustradas nos relacionamentos, acompanhadas de reações emocionais marcadas por sintomas físicos e distúrbios no pensamento.  Mas, enquanto houver uma discordância óbvia entre aquilo que imaginamos ser verdade e a realidade que se nos apresenta, não há como retirar as projeções ou mesmo falar delas.

Um exemplo típico de projeção automática é o ato de apaixonar-se.  Quanto menos conhecemos outra pessoa, mais fácil a projeção nela de nossos aspectos inconscientes.

Entretanto, a recusa de nosso mundo íntimo, a não aceitação de nossas características de como elas realmente são, a projeção de nossas ações e emoções nos outros, agindo como se elas não nos pertencessem pode-se tornar um hábito, um modo de vida.  Todos conhecem indivíduos que colocam a culpa em tudo e todos, isentando-se da responsabilidade de seus próprios atos.  Alguns destes indivíduos são amargos, outros são inconsequentes, outros despreocupados com o futuro, mas todos são inconscientes; possuem uma personalidade infantil, são imaturos.

Hammed discorre sobre um método para projetar nossa vida íntima em outra pessoa.  Ele descreve duas etapas: a negação e o deslocamento.

A negação, como a palavra já o diz, consiste em negarmos certos sentimentos ou pensamentos, ou seja, não os aceitamos como sendo nossos; quando temos dificuldade de ver, de interagir com a realidade: quando nos recusamos a aceitar as coisas como elas são. Então deslocamos (deslocamento) nossos sentimentos e pensamentos para o mundo externo.

O deslocamento é um mecanismo psicológico de defesa onde a pessoa substitui, desloca a finalidade inicial de um impulso por outra diferente e que seja socialmente mais aceita e menos desastrosa.  Por exemplo, numa discussão, o desejo de uma pessoa é o de agredir fisicamente a outra pessoa, mas acaba esbarrando "inadvertidamente" numa garrafa e esta se quebra no chão.  O impulso inicial (e real) foi deslocado impetuosamente para a garrafa.  Esse comportamento ocorre inconscientemente.

Outro tipo de deslocamento é quando uma ideia ou vivência é colocada simbolicamente na mente por outra ideia ou vivência onde as duas estejam emocionalmente associadas.  Por exemplo: um indivíduo teve uma experiência de trabalho desagradável com um determinado chefe no passado e reage, no presente, com medo, desprezo ou aversão por todos os outros chefes futuros.  Quando é consciente, o deslocamento, na maioria das vezes, não ocorre.

Vamos a outro exemplo: suponhamos que tivéssemos um desentendimento com uma pessoa no que diz respeito à divergência de opiniões em determinado assunto e por causa disso desenvolvêssemos certa antipatia por ela.  Com o passar do tempo julgamos já ter superado esta fase e consideramos este episódio como passado.  Entretanto, começamos a perceber que esta pessoa passou a ter uma antipatia e aversão por nós.  Na realidade, o incidente não foi bem resolvido e projetamos inconscientemente esta emoção nesta pessoa, porque continuamos a ter sentimentos negativos em relação a ela.  Esta é uma maneira de não aceitar nossas características negativas e projetá-las em outras pessoas.  "Nós somos bons e perdoamos, mas os outros são maus, rancorosos e não perdoam."

"Assim são os homens.  É como se lhes tivessem colocado dois alforjes: no peito, o alforje com os males alheios, e nas costas, o alforje com os próprios males: De tal modo que eles são cegos quanto aos próprios defeitos, mas enxergam com nitidez os defeitos dos outros."

Todos nós conhecemos indivíduos desta estirpe: atentam para o cisco no olho do vizinho, ao invés de se dedicarem a conscientizar-se de suas próprias fraquezas e por causa desta atitude aumentam a trave que lhes obnubila a visão de seu próprio mundo interno.

Quando mentimos conscientemente causamos menos danos para nosso crescimento pessoal do que quando mentimos para nós mesmos; as mentiras que projetamos são mais prejudiciais do que aquelas que verbalizamos.

Jung também se utilizou do termo Persona, termo usado no teatro grego que significava a máscara usada pelos atores para indicar o papel que desempenhavam. De início, a máscara serve como uma adaptação ao mundo externo e pode, como foi dito antes, ser uma conveniência pessoal.  Em verdade, a civilização depende da interação entre as pessoas realizadas através da persona, pois apresentamos ao mundo exterior frequentemente, os aspectos ideais de nós mesmos para manter uma polidez e uma relativa harmonia.

Todavia, neste aspecto particular, onde buscamos a melhoria de nossas personalidades e uma maior conscientização de nossas vidas, não podemos nos utilizar de "máscaras", pois elas turvam nossa verdadeira realidade interior, fazendo com que vivamos ilusões, e adotemos um "papel" que não é verdadeiro.

Como vivemos em sociedade algumas regras de conduta devem ser seguidas para, como foi dito acima, manter uma harmonia relativa.  Então quando nossas reinvindicações (exigências) internas não são admitidas (por nós mesmos ou pelos outros) ou quando são opostas àquelas que estão sendo solicitadas pelo mundo externo, inconscientemente projetamos e interpretamos papéis.

O processo todo se dá em nível inconsciente - projetamos e interpretamos "papéis" quando nossas exigências internas que, na maioria das vezes estão carregadas de emoções fortes, impulsivas e irracionais, entram em conflito com as regras e normas da sociedade.  Então o processo passa da consciência para a inconsciência.

Será que realmente somos verdadeiros atores no palco da vida? Reflitamos sobre algumas situações da vida.  Será que somos verdadeiros para nós mesmos quando nos colocamos diante de alguém como sendo mais do que somos? Quando nos mostramos alegres, quando na realidade estamos tristes? Quando escondemos e mantemos em segredo tudo o que mais queremos e desejamos? Quando fingimos um amor ou um desinteresse que não sentimos? Quando aparentamos uma frieza ou uma força que não temos? Ou até quando nos associamos a grupos de caráter social, político, religioso, cultural, recreativo, etc., para obter benesses que não merecemos, recebendo reconhecimento e elogios?

Para nossa evolução cultural, social, intelectual, espiritual há que se ter coerência, ou seja, o nosso eu, ou como chamou Jung, o nosso Self (Si mesmo) deve estar numa relação equilibrada entre o que sentimos e pensamos e o que vivemos.

Por que então falsificamos nossa realidade? Qual nosso ganho com essa atitude? Medo do que outros irão achar se formos nós mesmos? Frustração se descobrirmos coisas a nosso respeito de que não gostamos ou até não aprovamos? Respostas a essas perguntas não são fáceis de encontrar, entretanto saibamos agora de que quando distorcemos nossa realidade, danificamos nossa própria intimidade e vivemos toda uma vida com uma sensação de angústia de sermos uma fraude, com o agravante do receio de um dia descobrirem quem realmente somos.  Tenhamos a coragem de tirar a máscara agora e encarar nossa vida com alegria.

Quando imbuídos da certeza de uma vida mais plena no futuro, caminhamos mais plenamente dentro de nosso autoconhecimento, tornamo-nos mais maduros social e espiritualmente para então iluminar não apenas as áreas externas de nossa vida, mas também as internas.  Então, quando olhamos além dos olhos físicos, quando deixamos de ter uma visão parcial ou incompleta da vida, deixamos de projetar continuamente.

O ponto básico do problema da projeção está na compensação da falta de não termos consciência do que somos, do que queremos e por isso ansiamos ser ou possuir algo que não é real.

Termino com uma frase de La Rochefocauld: "Deploramos com facilidade os defeitos alheios, mas raramente nos servimos deles para corrigir os nossos."

Até semana que vem!





 



 



















sábado, 12 de junho de 2021

VÍCIOS - NÓS OS TEMOS OU ELES NOS TÊM?

 Olá leitores,

Semana passada assisti um pequeno curso de 5 aulas de uma hora cada, a respeito dos vícios.

As aulas foram ministradas pelo psiquiatra Bruno Lamoglia na Plataforma da  Brasil Paralelo. Como psicóloga, não sou muito fã de psiquiatras, mas este me surpreendeu.  Aprendi muitas coisas que não sabia sobre vícios químicos, embora ele também tenha dissertado sobre os vícios nossos de cada dia, como a mania de reclamar, por exemplo.  Tentarei passar para vocês o pouco que aprendi.

Primeiramente, ele explicou a diferença de alguns vocábulos no que diz respeito à dependência de substâncias químicas e, como médico psiquiatra ele inicia com os vícios materiais/químicos.  Se o indivíduo usa esporadicamente não há grandes problemas; muitas vezes, pode se tornar um hábito por simples automatismo; quando o indivíduo busca um prazer momentâneo, ocorre o ato impulsivo - a compulsão. E finalmente o vício propriamente dito ocorre quando há a dependência e não se vive mais sem a substância.

Na dependência ocorrem alguns fatores a observar.  O primeiro item é a perda de controle - nove em cada dez fumantes afirmam poder parar de fumar quando quiserem e a qualquer momento - só que não.  O próximo item é obviamente, a persistência no vício; depois, ele "troca" a vida pelo vício; outra característica é a tolerância, ou seja, se, no início pouca droga o satisfazia para sentir aquele prazer que ele sentia, com o tempo ele precisa de mais e mais droga para ter aquela sensação e, por último, o desespero, a angústia e a ansiedade que ele sente quando fica sem a substância.  De acordo com Bruno qualquer tipo de substância química, ou seja, aquela que "mudará" a "química" do seu corpo, passa por todos esses passos, para quem já está dependente, seja um simples cigarro até o crack - guardadas as devidas proporções.

A grande causa que Bruno apontou para a pessoa iniciar um vício é a insatisfação na vida.  O indivíduo tem a tendência a pouca tolerância ao sofrimento seja ele qual for - uma insatisfação com membros da família (pais, irmãos, parentes), no trabalho onde não sente que é valorizado, ou até um trabalho que ele realiza sem gostar dele - trabalha pelo dinheiro, porque precisa trabalhar.  Para Bruno, também pode ocorrer uma predisposição genética; outros indivíduos buscam a alteração da mente - querem "sentir um barato" para fugir de alguma situação a qual eles sentem-se mal.

O viciado vive fora da realidade; ele cria uma nova personalidade por causa de sua baixa auto estima.

Freud em seus estudos e experiências notou que pessoas que buscam o prazer imediato são imaturas; lidar com a realidade possibilita o crescimento do ser, o seu amadurecimento e, consequentemente sua felicidade.  Cada um de nós deve buscar a sua verdade para sentir-se realizado. 

Num segundo momento, Bruno discorre sobre os sete pecados capitais - são, em realidade, os sete "vícios" capitais; os vícios são um problemas moral. São eles:

- Gula: vontade excessiva do corpo; descontrole dos desejos do estômago.  O fumo e a bebida podem entrar nessa categoria, principalmente também por serem aceitos socialmente.  De minha parte acrescento que atualmente os "chefs", os "gourmets" são considerados celebridades e muitas pessoas são "gulosas" pelo incentivo dessa prática no meio social.  Para sobrevivermos não é necessário comermos tanto e nem tudo que vemos pela frente.  As consequências óbvias desse vício são orgânicas: obesidade, colesterol e glicemia altas, diabetes, problemas pulmonares (fumo), problemas hepáticos (bebida), vários tipos de câncer, etc. 

- Luxúria: prazer excessivo da carne; vida dando importância aos instintos, ao sexo; estando na fase instintiva tem dificuldade de amadurecimento como um ser racional.  Nesse quesito, a sociedade também dá um grande incentivo no consumo de roupas, cosméticos, alimentos (afrodisíacos), culto ao corpo. A propaganda dá ênfase à imagem, ao corpo e à beleza - o sexo a cada minuto é valorizado como algo especial e praticamente, todas as pessoas se dobram à esse vício.

- Preguiça: Bruno explica que esse vício é onde a pessoa se desconecta da sua vontade, dos seus desejos e da sua responsabilidade - o preguiçoso é o escravo por comodidade.  Quando se dorme muito também podemos ter o vício da preguiça e com  ela pode se instalar facilmente a depressão.  Com tantas facilidades que a vida moderna nos proporciona é fácil cairmos nesse "pecado".

- Ira: situações onde se passa raiva causam sofrimento não só para terceiros, mas para a própria pessoa; pessoas com ataques de raiva debilitam o organismo e podem causar rupturas sociais, tais como perda de amizades, perda do emprego; a pessoa pode ser considerada pelos outros como antissocial.

- Soberba: conhecida também como orgulho/vaidade - é a contemplação de si mesma, o apego à própria excelência - o ego da pessoa está inflado.

- Avareza: desejo de riqueza; medo de perder o que se tem.  O "amo" principal: a riqueza - pessoas que tem o vício do trabalho podem estar nessa categoria.

- Inveja: admiração pelo outro com o objetivo de destruí-lo e diminuí-lo.

A desvirtualização do amor se encontra na soberba, na avareza e na inveja.

O excesso dos desejos da carne se encontra na avareza, na luxúria e na gula.

Bruno ainda em sua terceira aula descreve outros vícios: o álcool com a finalidade de, muitas vezes afastar a timidez; a cafeína para melhorar a produtividade, mas traz aumento da ansiedade; os calmantes que com o uso contínuo podem levar à demência; vício da procrastinação (incluída nos sete pecados  - a preguiça); vício da internet, onde a grande perda é o foco, a concentração - há um estado de hipotonia social - nunca uma relação virtual pode ser comparada a uma relação real - com o tempo há uma perda cognitiva, perda da inteligência humana; vício do videogame - aqui pode haver um ganho nas habilidades cognitivas mas há o afastamento da própria realidade - serve como fuga para os problemas diários e assim há a dificuldade para amadurecer, crescer; vício em sexo, masturbação e pornografia - Bruno o colocou como o maior anestésico para a vida e, concordo com ele - o consequente enfraquecimento da humanidade - nesse vício o homem estaria "voltando para a época das cavernas", praticamente involuindo ou estagnando em sua evolução.

Assim, na quarta e última aula, Bruno traz algumas sugestões de tratamento para os vícios.

Primeiramente, temos que conhecer os vícios e aceitá-los como tais e com esse conhecimento também saber a capacidade e as limitações  que temos que enfrentar para lidar com os vícios - para isso também temos que conhecer a natureza deles - como eles funcionam, porque os temos (ou será que eles nos têm?).  Precisamos identificar obviamente nossa personalidade e nossos comportamentos.

Como foi dito no início, todo vício tem como base psíquica uma baixa resistência à dor, ao sofrimento.

Muitas vezes não conseguimos realizar  esse autoconhecimento sozinhos - talvez precisemos de um amigo, parente ou profissional/terapeuta.

Bruno finaliza com algumas técnicas que podem ajudar.  São elas:

1. Abstinência voluntária.  Buscar estímulos positivos - Por exemplo: meditação, leitura, exercícios físicos.

2. Substituição dos vícios.  Por exemplo, no vício da maledicência, buscar o lado  bom dos outros (sempre há o lado bom, mesmo na pior pessoa que você julga conhecer...).

3. Olhar para você como um vencedor quando deixar, por um momento, de incorrer no vício; tirar lições da derrota.

4. Espalhar cartões de motivações pela casa.

5. Desenvolver outras habilidades sociais.  Por exemplo, aprender um instrumento musical, começar um esporte ou hobby novo, realizar um trabalho voluntário em qualquer área.

Bem, antes de mais nada, identifique o seu vício - ele pode ser material quando envolve o corpo ou até mental e/ou espiritual quando envolve seus pensamentos, sentimentos e emoções.  Nem todas as coisas que fazemos rotineiramente podem ser consideradas vícios - só aquelas que causem mal aos outros, a nós mesmos e, principalmente, se nos atrasam o amadurecimento, o crescimento espiritual.

Tudo o que realizamos na vida deve nos trazer prazer e bem estar, entretanto essas sensações não podem trazer sofrimento para terceiros ou atrapalhar nosso crescimento e o dos outros.

Já conseguiu identificar algum vício em você?

Boas reflexões e boa semana!

  








  



 


quarta-feira, 2 de junho de 2021

O LOBO E O CACHORRO

 Caros leitores,

A fábula:

"Um lobo, que era magro de dar dó, pois boa vida não lhe davam os cães de guarda, certo dia encontra um desses animais, tão gordo e tão forte que era de fazer inveja.

O cão, que estava perdido, pois se distanciou dos donos enquanto eles passeavam, em vez de atacar o lobo, deu-lhe um pedaço da carne que trazia.

O lobo come com prazer, mas temendo que o cão o atacasse, como os outros cachorros que tentavam se aproveitar de sua fraqueza, dirigiu-lhe a palavra humildemente e fez um elogio, dizendo-lhe que admirava sua robustez e que gostaria de ficar como ele.

O cão explicou-lhe:- Se quer ser bonito e gordo como eu, deixe o bosque e me acompanhe.  Seus semelhantes são miseráveis, pobres diabos sem opção, cuja única condição é morrer de fome.  Venha comigo e você terá um destino melhor.

O lobo perguntou:- O que será necessário fazer?

E o cachorro respondeu:- Quase nada.  É mesmo pouca coisa: basta afugentar os que portam cacetes, ou vêm mendigar; defender a todos os da casa, e ao dono com agrados receber.  Em troca da caça que você conseguir, as pessoas lhe darão moradia, carnes - quem sabe, até lombo, restos de ossos de peru, perdiz, frango e pombos... Isso sem falar de muitas carícias.  Venha comigo.  Você irá sentir prazer em ter um senhor.

O lobo, já antevendo tamanha felicidade, chora de emoção e decide acompanhar o cão de guarda.  Percorrendo o caminho que o levaria à fartura e aos bons tratos, ele vê algo que lhe pareceu suspeito no pescoço do cachorro e pergunta:

- Que é isso em seu pescoço, amigo?

- Nada...

- Mas como nada? E essa pelada?

- Essa é a marca da coleira que põem em meu pescoço quando fico preso.

- Coleira? Preso? - indaga o lobo algo surpreso. - Não se pode sair quando se queira?

- Nem sempre, e importa?

- Claro! Isso tem muita importância.  Eu nunca trocaria por qualquer iguaria a liberdade.  De todas as suas refeições eu não quero nenhuma.  O preço que eu teria que pagar por elas é muito alto.

Dizendo isso, o senhor lobo desaparece por entre o verde do bosque e vai caçar."

A liberdade é um tema um tanto quanto polêmico.  Aqueles que acham que gozam de total liberdade são justamente aqueles que não possuem liberdade alguma.  Para o dicionário Aurélio, liberdade tem algumas definições.  Analisemos duas delas:

1. Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a sua própria determinação; poder de agir, no seio duma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas.

Neste primeiro caso, o indivíduo é livre porque decide ou age baseado naquilo que acredita ser verdadeiro, desde que obedeça a certas regras sociais e com vistas a não prejudicar a si ou aos outros.  Aqui ele não reflete sobre os seus atos ou decisões, apenas é livre para ser ou fazer o que a lei permitir.

2. Independência, autonomia.

Neste caso, já há algo de consciência envolvida onde a criatura independente que possui certa autonomia está pronta para a auto realização porque age, pensa, vê e sente por si mesma.  Na realidade, este segundo conceito abarca o primeiro porque a conscientização de si e do outro pressupõe a lei e as normas sociais.

Aquele ser que consideramos liberto se auto realiza porque cria e produz a partir de seu projeto íntimo; ele se conhece e sabe o que quer; conhece e vivencia a atualidade no próprio tempo e/ou espaço, de tal jeito que o seu espírito é o quem sempre guia e orienta, conduz e ilumina a todo o momento.

Na história, o lobo deixa-se conduzir pelo cachorro no primeiro momento, mas consegue perceber onde estava se metendo e consegue raciocinar e escapar da "cilada" em tempo.  A pessoa livre é segura de si e por isso não precisa de conselheiros, crenças impostas, ideias e ideais dos outros.  Para ser livre não podemos ser escravos da opinião ou julgamento do outro; não podemos nos iludir com as aparências exteriores ou promessas fantásticas; devemos viver os fatos reais, respeitando o tempo de cada conquista e reconhecendo em cada um o grau evolutivo que lhe é devido.

Hammed nos lembra que "quando nos deixamos levar pelo canto da sereia, perdemos o contato com o divino em nós." Se o lobo fosse até o fim seguindo o cachorro, ele perderia a sua própria natureza que é divina.  O próprio cachorro já havia perdido a sua natureza, pois já estava domesticado pelos homens.

Todas as pessoas anseiam pela liberdade, entretanto ela é uma conquista permanente, não é uma situação estanque a qual uma vez alcançada podemos nos considerar livres.  Ela é construída e elaborada dia-a-dia.

A liberdade faz parte da vida de pessoas corajosas, aquelas que foram bem sucedidas em romper as amarras que a sociedade lança sobre nossas mentes diariamente.  Só é livre aquele que não dá ouvidos às vozes da opinião social.

Muitas pessoas vivem amarradas e totalmente encarceradas por uma quantidade enorme de ditadores internos e externos.

Às vezes o indivíduo segue a opinião dos outros por receio de não ser aceito pelo grupo por medo da solidão.  Então ele entrega a sua liberdade para os outros em troca da companhia e da aceitação.  Entretanto, nestas situações ele não é aceito pelo que ele é, mas pelo que os outros acreditam que ele é.  Em verdade ele também não sabe quem ele é porque para ele o importante é pertencer ao grupo.  Além de entregar a sua vida ao outro ou ao grupo, ele também entrega seus anseios e a sua vida, assim como o cachorro da fábula que entregou sua liberdade em troca de comida e conforto.  O lobo por sua vez, preferiu ir em busca de sua comida e do seu conforto e assim, continuar livre.

Desnecessário dizer que para conquistar a liberdade é uma condição "si ne qua non" autoconhecer-se.  Como ser livre sem conhecer o que se quer? No exercício da liberdade é necessário avaliar, ponderar e julgar o que fazer ou não fazer, em concordância com as metas e possibilidades próprias e não com opiniões alheias.

Mas, a maioria das pessoas possui "a marca da coleira", como o cachorro.  Ele na realidade "vivia solto", mas não "vivia livre".  Os homens que "vivem soltos", vivem alienados, distanciados das realidades que os cercam, ou seja, não conhecem ou compreendem seus impulsos íntimos que os levam a agir e viver de forma estabelecida.  Eles ignoram os fatores sociais, emocionais ou culturais que os movem.  Eles não "vivem livres".

A liberdade é uma dádiva concedida ao indivíduo de poder exprimir-se de acordo com a sua vontade, consciência e natureza de forma responsável.  Ela é a condição necessária da alma humana para construir seu destino, e deve ser como diz o adágio popular: "liberdade com responsabilidade".  Lembremo-nos de que é a responsabilidade do homem que faz sua dignidade e moralidade.  Sem ela, ele não seria mais do que um autômato, um joguete das forças sociais; a noção de moralidade é inseparável da de liberdade.

O livre-arbítrio, o livre-agir, a liberdade é, assim, a expansão da personalidade e da consciência.  Quanto mais o indivíduo aumenta sua consciência, mais ele compreende a liberdade.  Para sermos livres, devemos esforçarmo-nos para libertarmo-nos da ignorância, das paixões vis, ou seja, daquilo que impede nossa evolução.  Quanto mais evoluímos, mais liberdade abraçamos.  E já que a evolução é individual, não há como sermos conduzidos por padrões estereotipados.  Quando preenchemos nossa mente com os conhecimentos dos outros, alienamo-nos de nós mesmos e retardamos nossa evolução.  Quando aprendemos a pensar por nós mesmos experimentamos a liberdade.

A liberdade é um direito natural, faz parte de nossa herança divina.  Reflitamos sobre as seguintes perguntas para identificarmos nosso grau de liberdade no mundo:

- Qual o grau de influência da opinião alheia sobre os meus atos e atitudes?

- O que me dificulta ter suficiente autonomia para tomar minhas próprias decisões?

- O que me impede de desfrutar de uma vida plena?

A liberdade de agir e de pensar, o livre-arbítrio, nos concede o poder de mudar nossas ideias, nossas concepções ou pensamentos, nossos modelos e de optar por crenças mais apropriadas ou favoráveis ao nosso desenvolvimento interior com vias a melhorias no nosso desenvolvimento exterior.  Quando sentimos ter escolhido errado, sempre podemos "desescolher" e escolher novamente.  Em muitas circunstâncias pode dar trabalho, mas sempre há como fazer novas escolhas.  Isto é liberdade.

E,  como expandir a liberdade ao nosso derredor? Poucos auxiliam a libertar os companheiros de jornada, mas há uma multidão que tende a aprisioná-los.  Se verdadeiramente queremos auxiliar os que amamos a serem livres, concedamos-lhes autonomia e independência tal como preservamos para nós a capacidade de nos autogovernar.  Todos temos nossos caminhos e aprendemos através do livre ir e vir de nossos espíritos.

Na história, o cão representa o ser alienado - aquele estado doentio do ser que perdeu o contato consigo mesmo e com o que acontece ao seu redor.  O indivíduo alienado é o indivíduo sem consciência de si e dos outros.  As pessoas alienadas não possuem a si mesmas, ou seja, não se conhecem e, portanto tornam-se sua própria negação, pois por não se conhecerem, negam seus desejos e sonhos íntimos e seguem sonhos e desejos alheios.  Negam a si próprias para poderem pertencer a um grupo e não serem consideradas marginalizadas.  Mas marginalizam-se a si próprias em prol da vida do grupo.  Pessoas alienadas são facilmente manipuladas e não são indivíduos confiáveis, porque são fraudes - não são reais, são cópias malfeitas dos outros.  A alienação dificulta a evolução porque o indivíduo não cresce porque não sabe o que deve modificar ou não, para seguir adiante.

Quando nos conhecemos, sabemos o que devemos realizar, qual é a nossa tarefa nesta existência, conhecemos nossos potenciais, nossas capacidades e lutamos para ultrapassar obstáculos e superar limites.

Aquele que age de acordo com o ponto de vista alheio está muito distante de ser uma pessoa livre.  Um dos bens mais valiosos do homem é a sua liberdade.  Não se deve trocar a liberdade por nenhuma utilidade, conveniência ou prazeres.  Mas o mundo está repleto de pessoas que a trocam por esses itens.  Na realidade, eles a trocam porque não aceitam viver com as consequências dos próprios atos e atitudes.  Muitos acham que se seguem um líder, é ele que deve sofrer as consequências, entretanto, isto não é verdade.  Se seguimos um líder até o abismo sem perceber, sem refletir, todos caímos no abismo - tanto o líder quanto seus seguidores.

A liberdade não é viver livre de correntes e sem controle, mas consiste em ser o próprio mediador na contenção de ímpetos (impulsividade), na avaliação das ações (reflexão), no limite dos desejos (anseios) e na moderação das emoções.  E, olhando sob este prisma, podemos reconhecer que poucos de nós podem se considerar livres.

A liberdade é um tópico que aprecio muito.  Estou sempre em busca de encontrá-la e compreendê-la; talvez por isso, me interesso muito pelo assunto.  Hammed, nesta fábula, ajudou-me a compreendê-la melhor.  E vocês?  Como entendem a liberdade?

Boa reflexão e boa semana!



































VISITA A SÃO PAULO

Caros leitores, Este ano, em nossa ida para Sampa para visitar amigos que lá deixamos, visitamos 15 pessoas.  O ano passado ficamos 6 dias e...