Caros amigos leitores,
O assunto de hoje foi motivado pelo novo livro de Jordan B. Peterson que comecei a ler - "Além da ordem - mais doze regras para a vida" (em tradução livre, acredito ainda não ter tradução em português). Em sua primeira regra ele discorre sobre a importância das instituições sociais, as regras morais da sociedade e os grandes feitos da criatividade.
As ideias que ele trouxe à baila, eu nunca havia pensado.
Muitos de nós têm o hábito de denegrir a imagem de algumas instituições, principalmente as instituições públicas. Entretanto, a maioria delas realiza um bom trabalho - muitas vezes critica-se a maneira como elas realizam suas funções, como se, aqueles que as criticam conseguissem realizar seu trabalho melhor do que os funcionários das mesmas - porém é sabido que essa não é a realidade. O hábito, o costume, ou melhor, o vício de criticar é realizado automaticamente, sem o exame dos fatos. Basta uma atitude delas com a qual não concordamos porque vai de encontro aos nossos interesses pessoais, para, automaticamente, julgarmos essas instituições como ineficientes, ruins ou até inúteis. Com certeza, algumas instituições servem como "cabides de empregos" como as chamamos - mas não são a maioria.
Jordan Peterson iniciou a discussão dessa nova série de regras falando das instituições e de como elas são importantes, na opinião dele, para o funcionamento da sociedade como uma entidade moralmente equilibrada. Concordo parcialmente com ele. Para mim quanto mais instituições, menos reflexão da parte das pessoas - um mundo cheio de muitas regras retira a nossa capacidade de fazer uso de nosso livre arbítrio, principalmente se forem regras as quais não conseguimos entender para o que elas servem, qual a sua finalidade.
Como exemplo, vamos pegar as regras de trânsito do Brasil - embora o código seja nacional, cada estado e/ou cidade faz uso dele como lhe aprouver. Nasci e morei em São Paulo - Capital até 2011. Em junho de 2011, meu marido e eu, nos mudamos para a capital do Paraná - Curitiba, onde residimos até hoje. Aqui, não dirijo por opção (ter um carro hoje é muito dispendioso). Obviamente que as leis de trânsito deveriam ser as mesmas de São Paulo, entretanto percebemos um detalhe que é diferente - o estacionamento de carros nas calçadas. Em São Paulo quando um veículo estaciona na calçada ele é multado de acordo com a quantidade de rodas que se encontra na calçada. Aqui em Curitiba é livre - pode-se estacionar nas calçadas onde não há rebaixamento das mesmas, sem receber nenhuma multa. Como não temos entrada para carros em nossa casa, para não ter nossa calçada danificada, plantamos quatro árvores (hibiscos) para evitar essa prática, pois assim que nos mudamos, os vizinhos se acostumaram a colocar os carros em nossa calçada. Com certeza, o código de trânsito é o mesmo em todo o país, mas cada um "obedece" quando e onde lhe convém.
Esse exemplo me leva à outra ideia dessa regra de Peterson onde ele afirma: "respeite as regras, exceto quando ao segui-las você desrespeita, ignora ou mantém-se cego para um princípio moralmente elevado." Ele traz dois exemplos, aos quais achei muito condizente com a sua informação. Os dois exemplos dizem respeito à duas atitudes de Jesus Cristo.
A primeira está no Evangelho de Lucas 2:42-52. Jesus estava com doze anos de idade e foi juntamente com sua família para Jerusalém para as festas da Páscoa. Ao fim das comemorações, os pais de Jesus, Maria e José, ao deixarem a cidade, Jesus não estava com eles e eles acreditaram que ele já se encontrava com o pessoal da caravana, entretanto ao buscarem-no não o encontraram. Tiveram que voltar à cidade e o encontraram no templo, sentado em meio aos doutores em confabulação a respeito das sagradas escrituras. Quando interpelado pelos pais dizendo que ele os havia desobedecido, ele respondeu: "Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?"
A segunda atitude de Jesus está em Lucas 6:6-10. Num sábado, Jesus entrou numa sinagoga para ensinar e havia ali um homem com a mão atrofiada. " Os escribas e os fariseus observavam-no para ver se ele o curaria no sábado, e assim encontrar com que o acusar. Ele, porém, percebeu seus pensamentos e disse ao homem da mão atrofiada: "Levanta-te e fica de pé no meio de todos." Ele se levantou e ficou de pé. Jesus lhes disse: " Eu vos pergunto se, no sábado, é permitido fazer o bem ou o mal, salvar uma vida ou arruiná-la." Correndo os olhos por todos eles, disse ao homem: "Estende a mão". Ele o fez, e a mão voltou ao estado normal." Para os judeus, o sábado é um dia santo, onde muitas atividades não podiam ser realizadas.
Nesses dois exemplos, Jesus "burlou" a lei estabelecida na época e usou de uma ação moralmente criativa (aliás, eu diria que Jesus sempre usou de muita criatividade moral - lembremo-nos de sua atitude no evento da tentativa de apedrejamento da mulher adúltera).
Peterson afirma: "É necessário ser disciplinado e seguir regras - fazer humildemente o que os outros fazem; mas também é necessário usar o julgamento, a visão e a realidade que guia a consciência que diz o que é certo, quando a regra sugere o contrário. É esta habilidade para lidar com essa atitude que verdadeiramente caracteriza a personalidade desenvolvida de uma pessoa."
Os heróis das histórias fictícias que lemos ou que vemos nos filmes, possuem essa atitude. Peterson traz também o exemplo das histórias de Harry Potter. Harry e seus amigos, Hermione e Ron, muitas vezes desobedeciam as regras da escola Hogwarts por boas causas - tais como, ajudar um amigo com problemas ou desvendar um segredo.
"Cada regra que existe hoje no meio social foi antes um ato criativo - o de quebrar outras regras." Para Peterson é a "interação entre as instituições sociais e os feitos e atitudes criativas que mantém o mundo equilibrado na tênue linha entre a extrema ordem e o extremo caos."
No início do texto, ao reportarmo-nos sobre as instituições lembremo-nos de que elas são úteis para o andamento da vida social, e que algumas vezes a hierarquia se faz necessária porque nenhum homem consegue realizar tudo em todos os momentos. Outras pessoas realizam coisas melhores que nós. Deveríamos usar de gratidão por outras pessoas poderem realizar o que não conseguimos e usar de humildade para reconhecer esse fato.
No quesito hierarquia sabemos que autoridade é necessária, entretanto esta deveria ser exercida somente por quem tem autoridade moral.
Assim, "siga as regras até onde você for capaz de ser uma pessoa exemplar naquilo que elas representam, mas quebre-as quando essas mesmas regras constituem, no momento presente, um grave impedimento para a representação de suas próprias virtudes centrais."
Quando li essa primeira regra desse novo livro de J.Peterson, tive muitas reflexões e, como disse no início, refleti sobre ideias que nunca havia pensado e, para finalizar, trago uma frase de Henry David Thoreau, grande pensador americano do século XIX, do seu texto "Desobediência Civil":
"O melhor governo é o que não governa de modo algum".
Essa reflexão fica para outro texto.
Boa semana!