sexta-feira, 29 de novembro de 2024

BONDADE

Leitores amigos,

Domingo passado, meu marido e eu fomos ao cinema - assistimos "Pássaro Branco".  Pela sinopse e pelo trailer pareceu ser um filme interessante, embora a temática não me agradava muito - a ocupação nazista de 1942 na França.  Quem viu um filme da Segunda Guerra enfocando o nazismo, viu todos. A ideia é sempre a mesma - nazistas perseguindo judeus, espiões de ambos os lados, fugas, mortes, torturas e por aí vai.

Entretanto este filme me trouxe algumas reflexões, talvez pela maneira como a história foi montada.

A base central do filme é a bondade, embora tenha sido traduzido como gentileza.  A meu ver "kindness" em inglês seja melhor traduzido para o português como bondade.

No dicionário Aurélio temos:

Gentileza = amabilidade, delicadeza, ação nobre.

Bondade = benevolência, qualidade ou caráter de bom.

Atualmente, eu entendo que a palavra bondade não é muito usada e eu até diria é uma palavra com peso muito maior do que a palavra gentileza - aliás, essa última está na moda por causa do "mantra" "gentileza gera gentileza", assim como bondade atrai bondade.

Claro que ambas as palavras podem ser usadas como sinônimos, mas na essência que fica são atos de pessoas boas.

Nos quesitos guerra e nazismo, tive outro insight. Agora que parece estarmos na eminência de uma nova guerra mundial (espero que não), busco uma nova elucidação do porquê elas ocorrem.  A internet nos faz acreditar que os "donos do mundo", os ditadores querem uma nova guerra para diminuir a população ou até para fazer uso (finalmente...) das armas mais potentes/nucleares que eles criam/criaram.  Talvez as guerras sejam apenas resultado de mentes doentias, muitas delas com corações cheio de maldade.  Com certeza existem muitas razões para esse tipo de atitude, mas o que me chamou a atenção no filme foi a maldade "gratuita" de jovens não judeus contra jovens judeus (embora em todos os filmes de nazismo essa atividade ocorre) - estudavam todos na mesma classe em Paris, mesmo durante a ocupação alemã e, de repente, foi dada a ordem para prenderem todos os judeus e que estes fossem colocados em campos de concentração.  Então jovens franceses que não eram judeus começaram a perseguir os colegas judeus - a ordem é dada de cima e não houve questionamento - simplesmente aqueles de índole má começaram a perseguição dos judeus, na minha leitura do filme.

A mídia da época (mídia de Hitler, comandada por Goebbels; nós também atualmente temos uma mídia que começa com a mesma letra...) fez com que todos acreditassem que judeus eram pessoas que não prestavam, que não eram seres humanos e que deviam ser eliminados.

Tudo isso me transportou para os dias de hoje no Brasil, onde a mídia colocou a esquerda e direita em lados opostos da vida - quem é de esquerda não tolera quem é de direita e vice-e-versa.  O mais interessante de tudo - não há questionamento ou mesmo reflexão - é como se você tivesse que escolher um lado e caso você não se identifique com nenhum dos dois, você é considerado um "morno", um banana, um "em cima do muro".  Afinal de contas nossa mão esquerda e nossa mão direita fazem parte do mesmo corpo, ou não?

O filme fecha com chave de ouro nos encorajando a praticarmos a gentileza onde estivermos para que a cada dia de nossa existência faça sentido para nós e assim possamos chegar ao fim dela sendo reconhecidos como uma pessoa boa.  Em realidade, não apenas pelo reconhecimento, mas também pela boa ação, pois quando usamos de bondade para com todos que cruzam nosso caminho, sentimo-nos muito bem e em paz.

Agora lembrei-me que existe um outro filme que traz uma pessoa boa transformando-se, pelas circunstâncias, em soldado nazista: "Um Homem Bom" com Viggo Mortensen.

Reflitamos!

Boa semana!


 

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

QUANDO ELES VÃO MUDAR?

 Olá leitores,

O tema de hoje traz à baila um assunto bem recorrente em nossa época e a própria solução desse desafio também é muito divulgado - todos falam do problema e da solução, mas poucos a aceitam, pois é de difícil compreensão.

Muitas vezes encontramos pessoas que desejam que seus entes queridos mudem - filhos, pais, cônjuges, amigos.  Quando, com o passar do tempo, essas pessoas não mudam como desejaríamos, a tristeza, a impaciência, a intolerância aparecem como resultado de uma espera que não tem fim: "Quando eles vão mudar?"

Então que estratégias de comportamento devemos ou podemos utilizar para enfrentar esse desafio?

Primeiramente devemos aceitar que ele não vão mudar porque nós queremos que o façam.  Só vão mudar quando eles quiserem.  E se eles não quiserem? O que faremos com nossa frustração e nossa tristeza?

Depois dessa constatação de que eles só irão mudar quando eles quiserem, perguntemo-nos que importância eles têm em nossa vida. Cada criatura que cruza nosso caminho tem importância diferente para nós. O filho, o pai, a mãe, o amigo tem importâncias diferentes em nossa vida.  Os filhos são os mais difíceis de analisar.  Alguns momentos podemos deixá-los usar de seu livre-arbítrio a contento, mas em outros momentos, dependendo da idade deles não podemos e não devemos deixá-los ao "Deus dará".  A responsabilidade, a disciplina, o dever devem ser ensinados a eles.  Isso não quer dizer que eles devem fazer o que quisermos, mas expressar atos e palavras condizentes com a vida no meio social para que sejam aceitos pelos outros como pessoas educadas, polidas.

Quando acreditamos que temos o dever, ou a obrigação de tentar mudar alguém, estamos indo em direção ao nosso próprio desequilíbrio, pois essa atitude é uma ilusão - "querer mudar os outros é uma das maiores ilusões das relações humanas e origem de muito sofrimento."

Então que tipo de estratégia podemos adotar para não sofrermos e nem nos sentirmos culpados?

A primeira delas já foi dita exaustivamente: ninguém muda ninguém - "cada pessoa é responsável por si mesma." "A única pessoa para a qual você conseguirá, seguramente, realizar algo transformador é você."

Então, o próximo passo é aceitar a pessoa como ela é ou não.  Dependendo do tipo de relacionamento que você tem com ela, muitas vezes, precisamos nos afastar desse relacionamento que não conseguimos aceitar.  Entretanto, se para você essa relação é importante, é um parente muito próximo, por exemplo, essa atitude não pode se levada adiante.

Se nos amamos podemos compreender que nosso equilíbrio deve ser mantido em primeiro lugar.  Se alguém interfere neste equilíbrio devo entender o porquê isso acontece, e depois realizar as mudanças necessárias para que essa interferência não ocorra - compreensão/análise, aceitação ou distância.  Assim como devemos entender o limite do outro, também devemos e podemos entender o nosso.

Para que você possa montar uma grade de estratégias para lidar com essa questão, você precisa analisar que tipo de comportamento essa pessoa que você gostaria que mudasse, manifesta.  Pode ocorrer que essa pessoa apresente um único comportamento que te aborrece, que te "tira do sério" - nesse caso, a primeira fase da estratégia é: pergunte a si mesmo porque esse comportamento te irrita.  Passada essa fase, se você acha que não tem a ver com a sua personalidade, os próximos passos seriam ignorar esse comportamento, conversar com a pessoa sobre o que ela acha disso, como ela se sente e a etapa final, caso todas as anteriores não estejam a contento, se afastar dessa pessoa.

Entretanto se, numa outra situação, a pessoa em questão, tiver realmente uma personalidade difícil, com comportamentos manifestos muito difíceis de suportar por você, e, dependendo do grau de afinidade/parentesco você tiver com ela, as mesmas estratégias podem ser levadas a cabo - aceitação, conversa franca ou afastamento embora talvez essas estratégias sejam mais difíceis de serem implantadas.

Por exemplo, se tenho um amigo nessas circunstâncias ou até uma pessoa que acabei de conhecer num curso, por exemplo, que me pareceu ser uma pessoa com a qual me identifico, com ideias similares às minhas e depois em pouco tempo descubro que é uma pessoa de difícil convivência ou até com atitudes de moral duvidosa que colidem com meus valores pessoais, posso, pouco a pouco, dar um fim à essa "amizade".

Mas, quando o filho ou a filha, com o avançar da idade apresenta distorções de comportamento no que se refere a moral, nossa atitude para com essa situação se torna bem complicada.  A responsabilidade dos pais com relação aos filhos acontece até uma idade - na maioria das sociedades isso acontece dos 18 aos 21 anos.  Depois disso, eles devem ser considerados adultos/maduros suficientes para dirigirem a própria vida, excetuando-se aqueles com problemas ditos mentais. Na cabeça dos pais surgem algumas questões: "Será que não eduquei corretamente?" "Será que não fiz tudo correto?" "Como ele/ela tem esse tipo de comportamento?" "Onde foi que errei?"

Nesse caso, ofereça aos seus filhos sua ajuda para uma solução que eles achem difícil de resolver, deixe a porta aberta, "jogue a corda" (caso o filho ou filha esteja no fundo de um abismo psicológico). É mais fácil e até confortador ajudar quem quer ser ajudado, ajudar a quem pede ajuda.

"Esteja sempre pronto a estender a sua mão, mas não ignore a parcela de participação que pertence ao outro." (Ermance Dufaux)

"Ninguém consegue ajudar alguém que não quer ajuda."

Boa semana!





sábado, 16 de novembro de 2024

A CURITIBA QUE CONHECI

Caríssimos leitores,

Em 2008 casei-me com o Zé depois de 10 anos de namoro.  Então mudei-me para a casa dele, pois ele morava sozinho e durante nossa estadia de dois anos nesse local iniciamos nossa busca por outra cidade para morar - São Paulo já não dava mais.  Primeiramente procuramos locais no estado de São Paulo, entretanto nada nos encorajava de sair de uma cidade onde tinha tudo o que valorizávamos: arte (cinema, museus, exposições de arte, música, teatro), áreas verdes para relaxar, refletir e descansar, nossos amigos, para uma cidade que não tinha tudo isso, ou pelo menos parte disso.  Então resolvemos procurar uma cidade grande, mas obviamente não tão grande quanto Sampa.

Então pensamos no sul (sabe aquela história "o Sul é o meu país"...) e como gostamos do frio, veio a ideia de tentarmos a "cidade ecológica", a capital mais fria do Brasil (pelo menos era...) - Curitiba.

Em 11.06.2011 chegamos em Curitiba, literalmente de mala e cuia.

Como todo início de qualquer coisa é difícil, esse não foi muito diferente.  Afinal de contas, estávamos mudando para uma cidade praticamente desconhecida (anteriormente, estive aqui por uns 4 dias para conhecer) e não conhecíamos ninguém.  Uma das vantagens  era começar com o "pé direito" com tudo e com todos.

Como chegamos em junho, lembro-me do frio intenso, e eram caixas e mais caixas para desembalar e organizar - foram duas mudanças - a da residência no bairro do Capão da Imbuia e a do consultório no centro da cidade.

Bem, depois de dias já instalados começamos a nos socializar primeiramente com nossos vizinhos - a maioria muito amáveis e cordatos e as pessoas que fizemos amizade no início não são as mesmas de hoje.  Felizmente hoje temos mais amigos e conhecidos aqui do que em Sampa.

Depois dessa introdução gostaria de falar da Curitiba que conheci quando aqui cheguei e que infelizmente não é a mesma de hoje.

Vou começar pelo clima - nos primeiros anos que aqui vivemos chovia muito.  Eu gosto muito de chuva, uma chuva decente se é que me entendem e não as tempestades que hoje em dia irrompem vez ou outra por aqui. Já escrevi um texto falando da "paulificação" de Curitiba e parece que até no clima está ficando igual, talvez por conta da quantidade de árvores que têm sido abatidas desde 2020 - aqui o povo gosta tanto de São Paulo (principalmente aqueles que nunca estiveram lá) que resolveram fazer o mesmo percurso do crescimento da "locomotiva do Brasil" (São Paulo para quem não sabe), ou seja, São Paulo cortava e cortou tantas árvores que o clima ficou insuportável em dias quentes e as chuvas eram torrenciais que a maioria dos bairros inundava, pois há rios, riachos e córregos por todo lado e com o excesso de chuva tudo ficava alagado.  Depois com o tempo e com o replantio de outras árvores (que demoram décadas para crescer) Sampa revitalizou-se. Então aqui está acontecendo a mesma coisa. 

O meu bairro que era bonito, peculiar, resolveram cortar todas as árvores de grande porte para a "revitalização" de duas ruas que aqui chamam de "binário" - uma rua sobe e a outra rua paralela desce, onde as ruas eram mão dupla, hoje cada uma delas é de mão única e como eu disse, cada uma delas em direções opostas. Detalhe: as árvores não precisariam ser cortadas, mas deduzo que com as novas vias virão radares e câmeras (pois com árvores não há funcionalidade para tais aparatos).

Outro detalhe da Curitiba que conheci - o transporte coletivo.  Quando chegamos o Expresso, o "vermelhão" como é conhecido popularmente, um ônibus biarticulado chegava a cada 6 minutos em qualquer dia da semana.  Hoje leva 10 a 12 minutos de segunda a sexta e sábados, domingos e feriados demora de 20 a 30 minutos.  Eles continuam eficientes no quesito tempo de chegada de nossa casa para o centro da cidade (20 minutos) como meio de transporte, mas ultimamente têm dado muitos problemas técnicos devido à falta de manutenção e à "idade" - o prefeito quer trocar para ônibus elétricos por conta da Agenda Climática 2030 da "ONU". Que ironia né? E o corte das árvores? Como ajuda o clima?

Na rua Arthur Bernardes, considerada o "cinturão verde" da cidade, existe a previsão do corte de todas as árvores (mais de 250 espécimes, a maioria de grande porte, incluindo até umas 17 araucárias).  Então, a Curitiba que conheci como "cidade ecológica" não existe mais.

Outra característica que não existe mais é o silêncio e a limpeza que existiam. Hoje são obras e mais obras, muitos edifícios sendo construídos e imagino onde irão colocar tanta gente na cidade...??...

Parafraseando Rui Barbosa quando chegou em Salvador, na Bahia, vindo de Haia: "Curitiba tinha seus encantos, hoje são obras por todo o lado e lixo por todos os cantos." (Adaptei; Barbosa escreveu sobre Salvador).

Na rua Emiliano Pernetta no centro da cidade destruíram todas as calçadas de ambos os lados para retirada do Petit Pavê (pedras pretas e brancas que criam mosaicos); (na rua XV de Novembro, o calçadão é feito inteiramente com esse pavimento) e substituíram por cimento.  Provavelmente, o que foi retirado será para "enfeitar" a casa de algum(s) figurão(ões).

A Curitiba que conheci está sendo descaracterizada urbanística e culturalmente.

Meu marido e eu muitas vezes pensamos em mudarmos para outra cidade, mas depois de reflexões, ainda dá para viver aqui porque ainda é uma das melhores cidades para morar.  Mas nos perguntamos: "Até quando?"

Desculpem o desabafo.  Aprendi a amar Curitiba como amei a São Paulo da garoa.

Boa semana!

 

 

sábado, 9 de novembro de 2024

LUZ PRÓPRIA

Leitores amigos,

Atualmente vivemos tempos estranhos onde muitas coisas que aprendemos ao longo de nossa existência atual estão sendo colocadas em xeque, isto é, estamos sendo apresentados a novas teorias, novas maneiras de viver, forçando-nos (pelo menos uma parte das pessoas) a analisar o mundo que nos cerca e o comportamento dos outros e o nosso próprio.

No planeta, muitos afirmam que chegou o Apocalipse - nada mais correto, uma vez que o significado dessa palavra em grego quer dizer "Revelação" e não o fim do mundo como popularmente se diz.

Para aqueles que possuem olhos de ver e ouvidos de ouvir, percebem novas revelações a cada dia.  Então, muitas vezes, o novo traz consigo uma parcela de medo, de insegurança, de intranquilidade, de estranhamento, de desarmonia.

No decorrer de nossa caminhada construímos algumas crenças que podem estar nos levando ao autoabandono, à mágoa - esses caminhos emocionais podem fazer de nós "uma pessoa apagada e infeliz". Crenças tais como: "Não posso expandir meus horizontes, tenho que viver quieto, pois as coisas não estão fáceis", "Não posso brilhar, isso é coisa de gente vaidosa.", "Não posso fazer o que quero, tenho que cativar as pessoas", "Pessoas boas são humildes e aceitam tudo."  Muitos acreditam que essas formas de agir são comportamentos virtuosos.

Esses conceitos devem ser revistos pelo simples fato de que nossa existência ocorre para tirarmos o melhor proveito dela e de quebra "contaminar" pessoas que nos cercam com nossa vontade de viver.

Quando nossa luz própria está apagada, quem nos cerca contamina-se com nossa sombra.

Em uma passagem de sua caminhada pela Terra, Jesus afirmou "Brilhe vossa luz". Então por que não fazemos brilhar nossa luz? Se ele sugeriu que fizéssemos com que nossa luz brilhasse, esse é o caminho do autoamor.

Aquele que tem amor próprio faz brilhar sua luz onde estiver e uma parte desse mundo é preenchida por essa luz, trazendo paz, alegria e bem estar àqueles que são banhados por ela.

Não confundir o brilho de nossa luz com vaidade.  A luz própria é amor porque é gratificante gostar de si mesmo.

Nossa luz própria está intimamente ligada com nosso talento, nosso dom.  Cada um de nós está aqui para usar de seu talento em proveito próprio e, dessa maneira fazer sua contribuição para a evolução própria e a do planeta.

Em muitas ocasiões nosso talento está realmente, não só ao nosso serviço, como também a serviço de outros, a serviço da evolução da humanidade - o que seria de nós se Beethoven nunca tivesse composto "Sonata ao Luar", se Van Gogh nunca tivesse pintado "Noite Estrelada", se Victor Hugo nunca tivesse escrito "Os Miseráveis", se Michelangelo nunca tivesse pintado o teto da Capela Sistina?

Todos eles permitiram que sua luz extravasasse de si próprios e assim deram sua contribuição para a melhoria da vida de muitas pessoas.  Em sendo assim, como podemos afirmar que nada valemos, que somos apenas um grão de areia na imensidão do mar? Cada um de nós tem um valor próprio e seria até considerado egoísmo não colocá-lo a serviço da vida.

Boa reflexão!





 

sábado, 2 de novembro de 2024

TRIBUTO AO SEBO

Caros amigos leitores,

O texto de hoje é de José Tucón.

"Quem escreve um livro cria um castelo.  Quem o lê mora nele."

                       Monteiro Lobato

Num mundo em que o discurso de ódio tem que ser dirigido ao colesterol pode ser estranho um texto com este título.

Mas, esclareço desde já que também não se trata de nenhum libelo contra a gordofobia.

Trata-se apenas de reconhecer o papel importante que as livrarias de livros usados também conhecidas como "sebos" representaram em minha trajetória.

Vou aqui listar alguns deles: Sebo Ao Pé da Letra em São Paulo, sebo do Major Fleury (um ex-oficial do exército britânico) também em São Paulo, sebo da Sociedade Literária de Taos (no Velho Oeste), um sebo que tinha mais poeira do que livros em Montevideo e por fim uma carinhosa (sim, carinhosa) loja de livros usados em Cirencester, uma pequena cidade no interior da Inglaterra.

Vamos começar por onde tudo começou: Sebo Ao Pé da Letra.  Num final de tarde eu estava lá fuçando as prateleiras quando chegou uma guria chinesa moradora do bairro e começou a conversar com o livreiro numa fala entrecortada por soluços. Tinha levado porrada do marido.  Confessou que estava paquerando um outro homem que a tratava com delicadeza.  Não sabia o que fazer.  Sugeri que pegasse um livro do I Ching (oráculo chinês) e o abrisse ao acaso.  O hexagrama que apareceu significava "namorado".  Me disse que não sabia como agradecer.  Propus então que me desse um livro de presente.  Então foi impulsivamente a uma prateleira e pegou o primeiro que lhe veio a mão e me deu, dizendo:  que abra seus caminhos! Era um livro sobre a tribo dos Navajos que habitam o Velho Oeste americano.  Devorei o livro.  Este livro me levou a conexões com outros e com a cultura dos índios do Velho Oeste que até hoje representa papel significativo na minha existência.

Passemos agora ao Sebo do Major Fleury.  Estive lá há uns vinte anos atrás.  Era (hoje não existe mais) um galpão comprido ao longo de uma avenida.  Poeira para todo lado.  Achei algumas joias raras e perguntei o preço ao velho Major (os livros não tinham preço marcado).  Ele me respondeu: - Vá até aquela janela e me diga o que vê. Fui até lá e disse: Do outro lado da rua tem uma churrascaria. Ele respondeu: Qual é o preço do rodízio? Eu disse: Nove reais. Resposta: Esse é o preço de qualquer livro.  De qualquer um! Ante a minha surpresa ele continuou: Você paga nove reais e o que você comeu acaba no vaso sanitário.  Um livro que você lê fica para sempre na sua mente.  Portanto é um preço pra lá de justo. Paguei os livros a nove reais cada um (eram raros) e só me restou lê-los.

Vamos agora a Montevideo.  Em 2014 viajei para lá e me hospedei num hotel situado na vetusta Ciudad Vieja (um charme só).  O hotel, uma construção antiga daquelas em que o elevador tem porta pantográfica, tinha um subsolo mal iluminado e todo empoeirado no qual estava o sebo de nome Aleph. "Aleph" é o nome de um conto genial de Jorge Luis Borges no qual o protagonista é levado a um porão sujo e empoeirado no qual ele encontra o Aleph, um ponto que contém todo o Universo.  Nome perfeito para o sebo.  Mas, o mais fantástico era o livreiro Raul que no meio de todos os livros empilhados no chão (é isso mesmo, não havia estantes) me diz: Estos son los libros que debes leer., depois de percorrer toda a "confusão" do local e selecionar três livros.  Livros extraordinários! Aliás quem for a Montevideo que se prepare: livrarias e sebos por todos os cantos! Livros baratíssimos! Vale a pena levar uma mala, encher de livros e despachar para casa.

Vamos ao Velho Oeste.  Lá no estado de New Mexico, perto do Grand Canyon e da fronteira com o Colorado está Taos, uma cidade com seis mil habitantes cheia de galerias de arte e que também tem suas livrarias e sebos.  No caso, o sebo da Sociedade Literária de Taos, onde encontrei um livro incrível sobre a espiritualidade dos celtas, um misto de cristianismo e respeito aos ciclos da Natureza.  Impactante! Foi nesse local que tive um "insight" cruel que foi a porta de entrada para uma mudança de objetivos, muito bem vinda por sinal.

E do Velho Oeste vamos para a velha Inglaterra mais precisamente no interior, região de Cotswolds onde está Cirencester, uma cidade medieval com cerca de dez mil habitantes, a qual abriga uma catedral medieval, a St. John the Baptist Church (no seu interior se experimenta o verdadeiro silêncio).  Mas estou aqui para falar do sebo.  Aqui seria melhor falar de loja de livros usados; tudo limpo e organizado com uma distinta senhora já idosa, a solicitude em pessoa.  Fora dali só consigo imaginá-la tomando Yorkshire Tea numa refinada chávena de porcelana inglesa.  Falei que estava interessado em livros de Astronomia e no ato subiu a escada com agilidade, demorou uns cinco minutos e voltou com três livros que mais tarde se revelaram ótimos, abrindo a mente para novas concepções do Universo.

Ao encerrar este texto constato que me esqueci de relatar a experiência que tive numa única visita que fiz a um sebo na cidade de São José dos Campos (SP).  No meio de um monte de porcaria, eis que surge um livro do astrônomo Camille Flammarion chamado "O Fim do Mundo" onde, de forma brilhante são relatados todos os "contos do vigário" a respeito do fim dos tempos.  Cara, o negócio começou bem lá atrás, antes mesmo de entrar no século II DC.  Crédulos para serem explorados pelo visto sempre existiram.

Por tudo que foi contado não posso deixar de reconhecer o que os sebos significam na minha existência o que justifica o título deste texto.

Boa semana pessoal!



VISITA A SÃO PAULO

Caros leitores, Este ano, em nossa ida para Sampa para visitar amigos que lá deixamos, visitamos 15 pessoas.  O ano passado ficamos 6 dias e...